A CRISE VIRTUAL

OESP  

 

     Enquanto o presidente do Congresso diz que a equipe econômica manda nos seus ministérios, mas, no Congresso, mandam os congressistas, a crise come solta. O que significa que está na hora de comprar ações em São Paulo e títulos brasileiros no Exterior. Comprar na baixa exige cálculos complicados, pois só há uma variável que o jogador pode controlar: o tempo que está disposto a esperar. O lucro que poderá obter de qualquer transação será função do que ganhar dividido pelo tempo – o que lhe dará a taxa de juro com que operou. Ele terá de compará-la com a taxa de juro que outros ativos (não é um bonito nome, esse, que dão para coisas que sobem e descem?) lhe poderão fornecer. Ora, na medida em que a taxa de juro depende das autoridades monetárias, cuja intenção o comprador desconhece, o cálculo do ganho é difícil, mas não impossível. Na verdade, se as ações caem é porque há quem as venda. E só posso vender se houver quem compre – na baixa. É como se estivéssemos numa guerra. Como não estamos, mas procedemos como se estivéssemos, por que não dizer que tudo a que estamos assistindo é virtual?  

 

    Aurélio diz que “virtual” vem do latim escolástico. Nada mais perfeito como origem; é uma palavra que quer dizer que a coisa existe “como faculdade (propriedade, virtude), porém sem exercício ou efeito atual”. No inglês, há variantes. Talvez seja bom ver o que os ingleses entendem por essa palavra, já que ela entrou no uso diário dos brasileiros não como incorporação da meditação filosófica da Escolástica, mas da falta de meditação dos computadores. Que diz o Collins? Que virtual é palavra usada “para sugerir que alguma coisa é, com efeito, aquilo que V. diz que é, embora não seja formalmente reconhecida como tal”. Vamos misturar os escolásticos com os informáticos? Deve dar uma coisa interessante: os “Tigres Asiáticos” eram modelo de como se deveriam comportar as economias dos países emergentes até que quebraram. Poder-se-ia dizer, pois, que eles eram esplendorosos enquanto “faculdade”, e eram não só “formalmente reconhecidos” como “faculdade”, mas aceitos a partir da sugestão de que eram realmente o modelo.  

 

    Se os Tigres eram “virtuais”, por que a crise que os assola e nos atinge não deve ser vista como virtual? A bomba atômica sempre foi virtual, depois que fez o que fez em Hiroshima e Nagasaki – bem menos do que as bombas convencionais fizeram em Dresden, Hamburgo e Tóquio e continuam sendo o que todos dizem o que são, e portanto não são virtuais. Ora, se a bomba atômica pode ser vista como virtual, por que a crise não pode sê-lo?  

 

    Se a equipe econômica e o senador Antônio Carlos Magalhães chegassem a um acordo sobre isso, as coisas andariam muito mais facilmente. O presidente baixaria uma medida provisória – que o Congresso aprovaria no dia seguinte -, dizendo que a crise era, escolasticamente, virtual. Não saxonicamente, pois ainda somos contra o imperialismo, especialmente sob sua forma de capitais predatórios. Era assim que no começo dos anos 30, quem examinava a realidade latino-americana chamava os capitais que vinham, realizavam sua taxa extraordinária de lucro e iam embora, deixando os nativos a ver navios – deve ser daí que vem a expressão “ficar a ver navios”, os que levavam os estrangeiros e seu dinheiro. Hoje, o predatório virou especulativo – como se já no tempo da Escolástica não se condenasse ao Inferno ou ao Purgatório, pouco faz, quem especulava. Como se no fim da Idade Média não houvesse indivíduos, cuja assinatura num papel datado de Florença, Veneza ou Viena valia dinheiro em qualquer praça européia, e que, quando quebravam, era uma crise real no mundo de negócios. O mal é que queremos inventar palavras para definir comportamentos que todos conheciam por seu verdadeiro nome havia muito tempo.  

 

    Por isso, sabendo que a bomba atômica é virtual, afirmo que a crise é virtual. No momento em que aceitarmos esse fato, ter-se-ão acabado as preocupações de muitos e os executivos poderão voltar a viver bem com suas esposas.

  

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