A QUEDA DOS RAFALES

 

 

 

 

     De volta, após três meses de ausência, encontro as coisas exatamente como as deixei. Talvez piores. O que significa que encontro a idéia de Estado mais se extinguindo lentamente, como vela cuja luz bruxuleia antes de apagar-se.

 

     O que mais espanta é verificar como os governantes não se dão conta do fato (ou não se importam com ele) e brincam com coisas muito sérias que comprometem o Brasil no plano internacional.

 

     O Presidente Lula da Silva podia divertir-se dizendo ser irmão de Gaddafi e que os opositores ao Governo do Irã pareciam jogadores de futebol raivosos com a derrota de seu time. Ou, ainda, dizendo que não tinha a menor importância que prisioneiros políticos fizessem greve de fome em Cuba. O Presidente Lula da Silva dizia essas coisas sem se preocupar com o decoro que deve inspirar e orientar as ações de um Chefe de Estado. E assim procedia porque tinha certeza de que seus iguais nos Estados Unidos e Europa relevariam a estupidez, preocupados apenas com fazer bons negócios.

 

     A Presidente Dilma vai pelo mesmo caminho, apenas com menos ímpeto e menor velocidade. Enquanto disserta sobre um câncer em programas femininos, defende a deturpação da língua portuguesa, insistindo em dizer-se uma “presidenta” na intenção de convencer as mulheres brasileiras de que não apenas ela, a Presidente, mas elas todas têm poder. Pouco lhe importa a pureza do idioma. Pouco lhe importa que tanto as mulheres, que ela diz que chegaram ao poder, quanto os homens, que ela insinua que o perderam, reconheçam-se através desse idioma. Pouco se lhe dá, também, que os cortes anunciados no orçamento da União, ao serem detalhados, indiquem caminho diverso daquele que ela disse que deveria ser seguido. A “presidenta” que sucedeu Lula da Silva deve imaginar, com certa dose de razão, que o idioma mal falado absolve tudo. Tudo, inclusive fazer de bobo o Presidente da França. Afronta que se faz mascarada sob um pretendido esforço de economizar para que o Tesouro possa acusar um superávit primário que satisfaça o chamado sistema financeiro.

 

     O Presidente da República Federativa do Brasil fez questão, muitos meses atrás, de dizer que o Brasil marcharia com sua parceira estratégica, a França, no seu esforço de reequipar as Forças Armadas: helicópteros, o projeto do submarino nuclear e o estaleiro e dique seco para abrigar a belonave (que a França construiria de parceria com uma grande empresa brasileira que o Governo Sarkozi decidiu qual fosse) e, sobretudo, comprando da França o avião de caça que substituiria os que a FAB procura manter voando antes que caiam por fadiga do material ou apenas não subam mais. O Ministro da Defesa insistiu na mesma tecla: o escolhido, com certeza, seria o Rafale, apesar de que a FAB preferisse outro por motivos técnico-operacionais e econômicos. Era, queiramos ou não, um compromisso do Governo brasileiro, sacramentado pelo Chefe de Estado.

 

     É possível que Lula da Silva tenha anunciado sua preferência pelo Rafale para consolidar sua amizade com Sarkozy. Uma amizade pessoal. Qualquer que tenha sido o motivo que o levou a comprometer o Estado brasileiro numa negociação internacional, ele se esqueceu de que o que estava em jogo não era seu prestígio, mas a urgente necessidade da FAB de renovar os meios indispensáveis para a defesa do Brasil. O reequipamento da FAB, pode-se dizer, não preocupa os Governos que se sucedem desde a posse de Fernando Henrique Cardoso. O que é um sinal de que a segurança do Estado pouco lhes interessou.

 

     Agora, Sarkozi que tenha paciência, mas não há dinheiro para fazer despesas desse calibre em 2011, não há dinheiro para comprar coisa alguma para a FAB, muito menos para a Marinha − para não dizer o Exército que, tratado como primo pobre, fique a ver navios e passarinhos. Em 2012, ou, como disse o Ministro da Defesa do Governo que já era Ministro da Defesa do Governo anterior, talvez 2013, se tudo correr bem, se o preço do petróleo não subir demais, se as economias da China, da Europa e dos Estados Unidos não sofrerem com a crise na África do Norte e no Oriente Médio, talvez a República Federativa do Brasil volte a considerar a necessidade de reequipar suas Forças Armadas.

 

     Conclusão do affaire: o Brasil não comprou um bonde, mas a França amarga a desilusão de não ter conseguido vender um, e exatamente por que não sabemos — talvez em virtude da intervenção de altos funcionários norte-americanos.

 

     O adiamento da compra do Rafale é apenas um indício de que o Governo de Dilma, que talvez prefira ser chamada também de governanta, embora continue não dando importância aos assuntos de defesa, está ensaiando, se já não fez, um roque na política externa de seu antecessor. O Irã percebeu a mudança de posições e fez saber que espera que o Brasil não mude sua política.

 

     Os votos do Brasil na ONU sobre como tratar o Coronel Gaddafi estão na linha do que a Presidente Dilma disse em entrevista ao “Washington Post” – da qual o sítio “Dilma.com.br” criado para sua campanha mas ainda em atividade para sua promoção pessoal, publica alguns trechos, remetendo à original em inglês — “Eu [ainda] não sou Presidente do Brasil, mas me sentiria desconfortável com uma mulher presidenta eleita se não dissesse nada contra o apedrejamento. Minha posição não vai mudar quando estiver atuando. Eu não concordo com o voto do Brasil. Essa não é minha posição.

 

     O roque é uma mudança sem dúvida feita pela necessidade de apagar a péssima impressão que o Presidente Lula da Silva causou na comunidade internacional preocupada com direitos humanos. Resta saber como se comportará o novo Governo do PT quando voltar a ser discutida a insistência do Irã em prosseguir com sua política atômica.

 

     A mediação turco-brasileira, quase ao fim do Governo Lula, também não foi bem recebida pelos chamados “grandes”. Ela pode ser considerada uma política de Estado na medida em que, ao buscar resolver um problema que afeta os “grandes”, inclusive a Rússia, o Governo Lula procurou marcar uma posição de autonomia do Brasil na cena internacional, louvando-se no fato de que a comunidade internacional − vale dizer “os grandes” − aparentemente considera que o Brasil é um país importante que deve ser levado a sério por uma série de razões, nenhuma das quais lastreada no poder de intervenção ou na capacidade de projetar poder. Mas se mediação turco-brasileira não foi bem aceita, foi absorvida. Este é um fato.

 

     Seja como for, a Presidente também declara que estreitará os laços com os EUA e considera o relacionamento brasileiro com essa potência “muito importante para o Brasil”, pois, conforme afirma, acredita “que os Estados Unidos têm uma grande contribuição para dar ao mundo. E, acima de tudo, (…) que Brasil e Estados Unidos têm um trabalho a ser realizado em conjunto no mundo.”

 

     Resta saber, agora, depois do cancelamento − pois é disso que se trata — da compra do Rafale, se o Brasil voltará ou não a ser considerado um “país que não é sério” ou se as enormes possibilidades que esse negócio abre ao investimento de capitais farão que a França, juntamente com os demais “grandes”, aceite as desculpas e espere que em 2012 seja possível voltar a falar em venda de armas modernas.

 

     Quem não gostará de que coisas assim aconteçam será o Coronel Chávez, que hoje é e amanhã poderá continuar sendo o país mais bem armado na fronteira do Brasil.

 

 

 

 

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