A QUEM INTERESSA A CRISE?

OESP  

 

     Chamamos de crise o que agora vemos acontecer no País porque estamos diante de um sistema de equações do qual não se sabe de quantas equações é composto, nem quantas são as incógnitas. É por isso, por ser grande a probabilidade de não conseguirmos chegar a decifrar essas duas pequenas charadas – quantas equações e quantas incógnitas – que se fala tanto em crise. Estamos todos andando às apalpadelas, míopes numa noite escura, esforçando-nos por decifrar alguns dos mistérios que cercam todo esse caso.  

 

    Tentemos, então, equacionar esta crise de perspectiva diversa daquela da qual se têm visto as coisas.  

 

    Em primeiro lugar, não nos preocupemos com saber quem foi o autor das gravações em que o sr. Waldomiro Diniz aparece. É questão de somenos importância, que a Polícia Federal investiga porque precisa apresentar serviço. O alarido não se faz em torno disso, mas das ilações que se tiraram da revelação das gravações. Com o que se coloca a pergunta de praxe: a quem beneficia a divulgação de um suposto crime de concussão – o “1% para mim” – e das ligações do sr. Waldomiro com o Chefe da Casa Civil, José Dirceu? Esta é a questão – o resto é apenas conseqüência.  

 

    Se nos detivermos por um momento na análise da denúncia – tendo em vista o qui bono?, insisto -, veremos que a denúncia é forte, se podemos dizer assim, porque cuidou de apresentar as ligações do sr. Waldomiro Diniz com o sr. José Dirceu. Donde podermos concluir, provisoriamente, que a denúncia visava não a figura de um cavaleiro de indústria, mas um político de grande projeção nacional. Tanto é assim que não se fala no dinheiro que teria sido pedido para as campanhas eleitorais das sras. Benedita da Silva e Rosinha Matheus. O silêncio em torno desse fato indicaria que pedir dinheiro para campanhas eleitorais é fato normal – se a fonte do donativo é lícita ou ilícita é outra questão sobre a qual a Justiça Eleitoral deveria pronunciar-se, se a tanto fosse chamada – e não foi. Com o que voltamos à pergunta inicial: a quem interessa a denúncia? Quem com ela se beneficia?  

 

    As primeiras reações do PT, especialmente do sr. José Genoino, foram nesta direção, a do beneficiário: o responsável por tudo é o sr. José Serra. Ante o que, deveríamos perguntar: que ganharia ele com isso? O PT logo percebeu que o PSDB, muito menos seu Presidente, nada tinha a ganhar com a denúncia, a menos que quisesse criar uma crise do tamanho daquela que, anos atrás, conduziu ao impeachment do sr. Collor de Mello. A demissão do sr. José Dirceu, reclamada em prosa e verso por parte da oposição, não tinha e não tem sentido algum, e o PSDB sabe disso. Ah!, direis, abalaria o Governo Lula. Mas seria necessário criar tamanho alarido se a popularidade do Presidente e de seu Governo vem caindo mês após mês? Os pró-homens do PSDB são inteligentes o suficiente para deixar que o rio da perda de popularidade siga seu curso natural. Se continuam batendo na tecla da renúncia é por que começaram a tocar a valsa e não podem parar no meio. Mas não lhes interessa.  

 

    A menos que queiram dizer que o Governo não tem indicação alguma sobre o caráter dos que trabalham para ele. Isto é, que a Abin não serve para nada.  

 

    A quem interessa, pois, a denúncia e o alarido, que o PT insiste em alimentar, enquanto o Governo finge que procura apagar a fogueira? O Presidente Lula da Silva disse, há dias, que uma denúncia não produzirá uma crise porque as instituições são fortes. E são. Tão fortes que ninguém percebe que a crise que existe e para a qual ninguém chama atenção é uma crise de poder. A crise é de poder porque o que está em jogo, desde que se tornou pública a denúncia contra o sr. Waldomiro Diniz, é quem comandará o processo político de 2006. Controle esse que passa, evidentemente, pelas eleições municipais deste ano. Essa disputa não se dá no PSDB ou no PFL ou no PP. Dá-se no PT. Seu primeiro indício foi a rigidez com que se trataram os chamados radicais, que acabaram expulsos sem possibilidade de disputar eleições em 2004.  

 

    Há tempos, publiquei nestas colunas uma parábola sobre o julgamento do Governo Lula da Silva, em que Maquiavel e Santo Inácio apareciam como acusadores (*). Um deles dizia que o “secretário-geral”, comparado a Stalin, não era Dirceu, que controlava praticamente toda a máquina estatal, mas o sr. Luiz Inácio Lula da Silva, que tinha os cordões do governo nas mãos. Creio que Maquiavel – o meu, não o florentino real – diria que nada mudou e que é necessário estar atento para a surda luta que se trava dentro do partido para ver quem o controlará e quem será o candidato dele ao Governo de São Paulo em 2006. Evidentemente não será Lula. Mas deverá ser alguém que o auxilie de fato em sua reeleição e que não tenha veleidades revolucionárias, como o sr. José Dirceu deixou escapar ao assumir a chefia da Casa Civil, lá se vão muitos meses.  

 

    Mas há mais, isto é, há outras incógnitas que podem ajudar a montar outras equações. E, ao buscar encontrá-las, daremos de cara com Padre José, o famoso Père Joseph, a eminência parda de Richelieu. O Ministro Mauricio Corrêa, no fim de seu mandato como Presidente do Supremo Tribunal Federal, parece ter intuído que há alguma coisa mais por trás do empenho do Ministro da Justiça, sr. Márcio Thomaz Bastos, em querer o controle externo da magistratura. Intuiu, mas não disse. Deveria ter alinhavado outras coisas de molde a permitir que a sempre invocada Sociedade Civil percebesse para onde o Governo pode ir sem mudar a política econômica: a sugestão para a promoção de Apolônio de Carvalho a General do Exército; a demarcação contínua das terras indígenas em Rondônia; e, agora, a Medida Provisória sobre os bingos.  

 

    Na entrevista que deu ao Estado, o Ministro da Justiça expressou-se de maneira diferente do que disse na televisão. Para o jornal, o Ministro colocou a disjuntiva: “Ou estatiza ou fecha tudo.” Falando à televisão, disse coisa diversa: o Governo definiu sua posição, baixou a Medida Provisória, agora cabe ao Congresso decidir. O Ministro sabe que a MP será emendada, que o Congresso enviará ao Presidente, para sanção, um projeto de conversão com texto diferente daquele da MP, no qual não se colocará a disjuntiva, mas se procurará chegar a uma solução que, suponho, poderá satisfazer Deus e o diabo. E sabe que o Presidente poderá não vetar o projeto, nem sancioná-lo – devendo o Presidente do Congresso sancioná-lo e mandar publicar.  

 

    Assim, que temos? O Judiciário precisa de controle externo e o Congresso será, mais uma vez, humilhado se não aprovar a MP tal qual. O PT precisa compor-se sem fissuras ou divergências no que tange à política geral para que Lula possa reeleger-se – o que não será difícil dado, lembrando, creio, Oswaldo Aranha, o “deserto de homens e idéias” que cerca um punhado de bem-intencionados que querem a salvação da Pátria e da Política.

 

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 (*) JÓ E A PÓS-MODERNIDADE – OESP em 03/03/2003; neste sítio, encontra-se em ARQUIVOS –  AUTO DA DESESPERANÇA – ato I

 

 

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