AMORIM ABRE O JOGO

 

 

     Trocados os insultos de praxe, Correa e Chávez renderam-se às realidades do poder e decidiram apertar as mãos de Uribe. A OEA, assim, não foi lançada na lata de lixo da História, como Correa disse que deveria ser, todos sorriram e posaram para a fotografia da paz – exceto Uribe que se recusou a atestar, para os futuros historiadores deste período conturbado, que também entrara no jogo do vaudeville em que Chávez transformara a incursão no território equatoriano. A rigor, por que deveria posar? Aceitou votar um pedido de desculpas, o mínimo que as pessoas educadas fazem quando pisam o pé de alguém, sem querer ou propositadamente. Apenas o japonês da anedota diria: “mas pisou, não pisou?” E foi só – além de conseguir inscrever no documento final que Estado algum deve intrometer-se nos assuntos internos de outro.  

 

     Neste lance, foi ele o triunfador e Correa e Chávez tiveram de proceder a uma retirada estratégica, temendo que as evidências que Uribe pudesse produzir comprometessem ainda mais sua posição perante a dita comunidade latino-americana e do Caribe. A reunião do Grupo do Rio não mereceria, vistas as coisas desse prisma, qualquer registro, não fora uma declaração do Ministro das Relações Exteriores do Brasil sobre as FARC. E ela é preocupante.

 

     Que disse, segundo registram os jornais, o chanceler Celso Amorim? Nada mais, nada menos, que o problema das FARC é um “problema regional”. Para o Presidente Bush, o terrorismo é um problema mundial, global, e por isso todos os Estados, exceto aqueles que ele considera párias da comunidade internacional, devem combatê-lo. Terá sido com esse sentido que Amorim deslocou o “problema FARC” do âmbito restrito da Colômbia para o da América do Sul – pelo menos? Se o chanceler pretendesse que os Governos da América do Sul deveriam auxiliar o da Colômbia a combater as FARC, teria dito. Não poderia, no entanto, dizê-lo, pela simples e boa razão de que o Governo a que pertence, pela voz do chefe (e não se diga que o Presidente Lula da Silva não é o chefe do Governo a que Amorim pertence), deixou claro que o importante, no incidente, era a invasão do território equatoriano e não, correlatamente, o fato de Correa dar asilo a um grupo guerrilheiro que pratica atos de terrorismo em um país do qual o Equador teoricamente é amigo: seqüestro, cárcere privado, destruição de propriedade, desprezo pela vida humana. Aliás, não se ouviu nenhuma condenação das FARC pelo Governo brasileiro – nem se ouvirá, porque não está na agenda de Brasília desagradar as mentes “esclarecidas” que julgam que a guerrilha colombiana é um grupo insurgente, cujos membros devem ser tratados pela convenção de Genebra sobre prisioneiros de guerra.

 

     Ao dizer que as FARC são um problema regional, Amorim não quis dizer que elas constituem uma ameaça à integridade territorial do Brasil, da Venezuela e do Equador; muito menos que o socialismo de que se elas se jactam poderá infeccionar a mente de alguns estudantes – como fez com aqueles mexicanos mortos no ataque em que morreu Reyes – que julgam que a guerrilha é o caminho de Compostela que devem trilhar para conseguir a redenção dos pobres e desamparados e derrotar os Estados Unidos.  

  

     Amorim, melhor que nós, sabe o que significa transferir um problema interno da Colômbia para o âmbito regional. Antes de tudo, como a política externa brasileira, desde a primeira chancelaria Amorim (Governo Itamar) tem a América do Sul e não o Hemisfério como ponto de referência, a menção a “regional” excluirá necessariamente, à medida que o tempo passar e as agendas se acertarem, os Estados Unidos da solução do problema, apesar de Washington ter classificado as FARC como grupo terrorista.  

 

     A regionalização do problema tem, antes de tudo, esse objetivo. Depois, contando com o apoio dos que, na Colômbia, reúnem-se em grandes manifestações contra o “terrorismo de Estado” e o velado apoio que os paramilitares têm, levar Bogotá a reconhecer que não tem como resolver um problema que pode vir a constituir-se em ameaça à segurança de outros países. É uma estratégia de longo alcance – e na medida em que será o Brasil que irá capitanear, sob a liderança do Presidente Lula, as ações destinadas a, primeiro, transferir o problema para o âmbito regional; depois, reconhecido o caráter regional (Brasil, Venezuela, Equador, Bolívia, Nicarágua e alguns mais irão nesse caminho) dar ao grupo guerrilheiro o status de “insurgente” com as conseqüências previsíveis no campo do Direito Internacional e, mais importante, das ações dos Governos que se tiverem unido para ajudar a Colômbia a resolver um problema que não é interno, mas regional.  

 

      Cada qual tire, destas premissas baseadas nos fatos, as conclusões que desejar.

 

  

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