DAR DIGNIDADE AO PODER

OESP  

 

     Depois do Horror Econômico, chega-nos da França O Horror Político de Jacques Génereux (Bertrand, Brasil), que Mário César Flores, com sua gentileza, me presenteou. Do livro, tomo uma reflexão: “A verdadeira urgência, portanto, é a restauração do político. Trata-se mais precisamente de reavivar o interesse dos cidadãos pelo debate público, voltar a restabelecer a credibilidade do poder, reformar as regras do jogo político que estimulam o imobilismo ou o clientelismo, retomar o diálogo entre eleitores e eleitos, reabilitar o debate de idéias, o debate sobre nossas visões do mundo futuro. Em uma palavra: precisamos mudar a política.”  

 

    Dir-se-ia que Génereux está falando do Brasil e não da França. Mas, sem cair na idealização do mundo de além-Atlântico, o que ele diz da falta de debate, de ausência de responsabilidade, de descrédito do poder em seu país aplica-se ao nosso.  

 

    Talvez a crise maior no Brasil não seja aquela que busco retratar, aqui e ali, num ou noutro escrito: a falta de um núcleo que dê uma direção intelectual, cultural e política à sociedade como um todo, ou a boa parte dela. Ou, se quisermos retomar algumas passagens de Gramsci, uma direção ética.  

 

    Talvez a crise maior resida nessa ausência de um núcleo hegemônico e no fato – conseqüência da falta do núcleo – de o Estado haver perdido a condição de impor a lei a muitas partes do território e, pior, serem poucos os que se preocupam com isso. Outro dia, ouvi na rádio que nos altos escalões da República se recomendava que os problemas na fronteira com a Colômbia – onde há um Estado Guerrilheiro, o das Farc – fossem tratados com discrição. A discrição significa que a defesa do território nacional deve ser tratada sob sigilo e discutida apenas em pequenos comitês, que se julgam únicos responsáveis pela defesa nacional. Embora se diga, em alta voz, que a defesa nacional deve ser uma das questões principais a ser discutidas pelo que se chama de Poder Civil.  

 

    Nos Governos militares, as Leis de Segurança Nacional pelo menos rezavam que todos nós éramos responsáveis pela segurança nacional – o que nos dava o direito (se pudesse ser exercido ou não, era outra história) de reclamar que nos informassem quando o território nacional estava sendo invadido.  

 

    Não é deste Governo esta atitude de esconder problemas de Estado. O senador Sarney, em artigo publicado não faz um mês, contava a origem do Projeto Calha Norte, sepultado por falta de verbas e pela hostilidade que se ergueu, na sociedade e na Igreja – que são coisas distintas, convém deixar claro, pois o bispo é nomeado pelo papa e não tem a legitimidade, como se diz hoje, da eleição pelos fiéis -, contra um “projeto militar” que iria prejudicar os índios. Se se tivesse dito à sociedade que o projeto fora idealizado porque tropa brasileira havia estado frente à frente, em território brasileiro, com um destacamento das Farc, talvez a resistência tivesse sido menor. E também não se disse que, quando o Sendero Luminoso estava em seu apogeu, patrulha brasileira teve contato com destacamento Luminoso, comandado por uma mulher. Nem se diz que o Brasil pode ser um “santuário” para a guerrilha dos países fronteiriços!  

 

    Génereux tem razão: é preciso restabelecer a credibilidade do poder. Poder que não informa os cidadãos de que a inviolabilidade do território nacional corre risco; poder que não diz aos cidadãos que as forças da lei não têm acesso a determinadas partes do território porque o tráfico nelas impôs a sua lei – esse poder perdeu credibilidade. Se o poder não se preocupa em mobilizar a Nação para os problemas que minam a autoridade do Estado e o destroem lentamente, é demais pedir aos cidadãos que pensem na defesa ou na segurança nacional. Eles cuidarão de si, e nada mais. Haja ou não progresso econômico e social.

 

 

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