O MINISTÉRIO DA DEFESA E A SAGA DO PARTIDO FARDADO

  

O General sorveu um gole de café e depois disse: “Não sei por que vão criar o Ministério da Defesa. Depois da Segunda Guerra, os Estados Unidos criaram o seu e perderam duas guerras”.

 

      A muito discutível — inclusive do ponto de vista jurídico-administrativo — criação do Ministério da Defesa no Governo Fernando Henrique Cardoso é a conclusão, com êxito, do processo em que se buscava afastar as Forças Armadas dos centros de decisão política. Ele tem início e fim bem marcados. Nesse processo poderá observar-se o esforço para a criação de mecanismos que favoreceriam um sistema de defesa (?) conjunto na América — em seqüência lógica ao disposto no art. 4º, § único da Constituição promulgada em 1988.

      Para que seja possível compreender o que isso significou, e também por que poderá ser considerado como o ponto culminante de múltiplas ações coordenadas e complexas visando à desestruturação do Estado e o redirecionamento da Sociedade nacional, será preciso acompanhar, passo a passo, o desenrolar desse processo, sem o que qualquer análise sobre o Governo Fernando Henrique permanecerá incompleta.   

      O mundo civil começou a afastar-se dos militares em 1965, com a edição do Ato Institucional nº 2. Em meu livro “Elos partidos”, procurei demonstrar como o Ato, ainda que tivesse contado com o apoio de quantos políticos desejassem impedir a posse dos Governadores eleitos da Guanabara e de Minas Gerais, significou, para a maioria da “classe política”, o rompimento com a tradição, diria mais, a lenda de que as Forças Armadas eram o Poder Moderador da República. Vale dizer: elas intervinham na luta política e devolviam o poder ao sucessor constitucional daquele que haviam deposto. Essa lenda vinha de 1945, quando os militares depuseram Getúlio Vargas e chamaram, para ocupar a Presidência e realizar as eleições gerais de 2 de dezembro, o Presidente do Supremo Tribunal Federal. Consolidou-se em 1954, quando o Vice-Presidente da República sucedeu a Vargas que se havia suicidado.

      A crise de 1961, quando os Ministros militares tentaram impedir a posse de João Goulart, poderia ter aberto os olhos dos que pretendiam entender o processo político-militar brasileiro. Todavia, o triunfo da legalidade, devido em grande parte à atitude do Comandante do III Exército, permitiu que a lenda se transformasse em realidade em 1964, quando Governadores indicaram a candidatura do General Castelo Branco para a Presidência, sucedendo a João Goulart, na certeza de que o antigo Chefe do Estado-Maior do Exército presidiria as eleições gerais de 1965.

      O Ato Institucional nº 2 fez luz sobre a realidade. O Ato nº 5, de um rigor maior que esse, definitivamente afastou das Forças Armadas o mundo civil, que se acostumara a contar com elas para resolver crises políticas, incentivando-as muitas vezes a romper a Constituição. A chamada redemocratização com o Governo Sarney, mal compreendida e mal administrada pela “classe política”, levou à convocação da Assembléia Nacional Constituinte. Esta foi eleita em 1986 num clima de flagrante hostilidade às Forças Armadas, já exemplificado nas eleições diretas para Governador em 1982 e na campanha das “Diretas-já” para a Presidência.

      A eleição de Fernando Collor, sucedendo Sarney, foi mais um passo rumo ao isolamento das Forças Armadas da sociedade. Os Governos Itamar Franco e Fernando Henrique concluíram a amarração da mortalha que envolvia aqueles a quem, um dia, José Bonifácio, o Moço, louvando um grande chefe militar, cantou no poema “O redivivo”: “Dorme o batalhador/ Silêncio, oh! Bravos/ Que a dor não o desperte”.

      Para bem avaliar este processo é necessário compreender o que foram as intervenções militares na vida política brasileira. Antes de cuidar do seu desfecho, que foi a criação do Ministério da Defesa, lancemos um olhar sobre o passado.

      ***

      A imagem de processo é tomada do Direito e, diria, mesmo das Ciências Sociais. No Direito e nas Ciências Sociais, é praticamente impossível fixar os claros-escuros das situações. Creio que será melhor, portanto, começar tratando do que desejo esclarecer como se estivéssemos assistindo a uma peça de teatro.

      O que se passou de 1964 em diante, até 1999, quando, em gran finale, surge o Ministério da Defesa, foi o segundo ato de drama em dois atos. Um drama de tipo específico, porém.

      Na platéia, houve os que chegaram atrasados. Como a peça já tinha começado, foi preciso esclarecer-lhes que estavam vendo o segundo ato do drama.

      O primeiro ato, este que os retardatários não viram, terminou em 1964. Uma espécie de preliminar, não teve autor nem diretor, os atores improvisando seu papel, mas obedecendo à trama de toda commedia dell’arte. Nela, todos os atores, ainda que com falas não escritas, pautam sua ação pelo sentido geral da peça inspirado em roteiros e motivos já por todos conhecidos. Seu início perde-se no tempo e, talvez por isso, os atores principais não se tenham dado conta, quando chamados para o segundo ato, de que já estavam cansados, e de que haviam atuado de tal maneira que, ao terminar a peça, a platéia não fora capaz de compreender o sentido profundo das falas e das ações — tendo guardado, porém, quem sabe, apenas a imagem dos que representavam os papéis mais simpáticos, sobretudo o de quem vai salvar a donzela ao fim de tantas peripécias. Todos os que entraram no palco, preparados para representar o segundo ato, aquele que seria agora escrito em suas linhas gerais por um diretor, já estavam esgotados. Mas muitos dos que assistiram à representação estavam predispostos a aplaudir os defensores da donzela.

      O diretor – ou, como diriam os franceses e soa melhor, o méteur en scène − era o próprio autor do ato, sabendo que muitos dos atores, protagonistas ou coadjuvantes deixariam de seguir o texto escrito para entregar-se às mesmas práticas da commedia dell’arte italiana, em que não se obedece ao que está escrito e nem mesmo à marcação. Houve, no decorrer da representação, quem no palco percebesse que alguma coisa de estranho estava acontecendo. Mas a peça deveria continuar ou, como costumava dizer o diretor-autor, “the show must go on”.

      Essa peça versava, no primeiro e no segundo atos, sobre quê? As intervenções das Forças Armadas, especialmente do Exército, na vida política nacional. O encarregado da propaganda e divulgação havia preparado, para divulgá-la, um longo texto publicitário, em que se apresentavam todas as intervenções, os anos em que ocorreram, os pretextos ou motivos delas, os atores principais. Uma lista muito longa, começando em 1821 e terminando em 1969 − com um adendo, que estendia as intromissões militares na política até 1979. Embora o fato talvez devesse ser referido apenas mais tarde, é importante dizer desde já que, na platéia, houve quem protestasse que o adendo era insuficiente e quisesse que a lista se estendesse até 1985.

      Quando se ergueu o pano no final do primeiro ato, um ator veio à beira do palco com um cartaz, como se dissesse que a peça cuidaria do que estava escrito, em que se lia “Viva o poder civil”. Ele se retirou, e um outro se apressou a exibir cartaz menor, em que se lia com dificuldade “Frente civil-militar”. A cena tornou-se confusa, cada qual tentando fazer que seu papel fosse o principal. E, no meio da confusão, os dois atores que empunhavam cartazes insistiam em mantê-los erguidos bem alto para que a platéia pudesse vê-los. O “ponto”, então, subiu ao palco, acalmou os atores e fez longo discurso. Procurarei reproduzi-lo em suas linhas gerais para que se possa compreender o segundo ato, o que começou em 1964 e parece ter terminado com a criação do Ministério da Defesa.

      ***

      Podemos dizer que as intervenções militares na vida política brasileira, de 1821 a 1969, deram-se a uma média de uma em cada seis anos. Algumas tiveram conseqüências institucionais; outras foram manifestações de espírito de corpo, corporativistas, se quisermos. Praticamente todas, mesmo as que não alteraram o quadro político-institucional, marcaram a penetração da Política nos quartéis, qualquer que seja o sentido que emprestemos à palavra Política.  O fato incontestável é que desde a Regência do Príncipe D. Pedro, o Exército − em 1821, a Tropa Paga − nunca foi o grande mudo ao estilo do francês – que foi mudo apenas até 1958, quando o golpe dos Coronéis, em Argel, abriu caminho para a volta do General de Gaulle ao poder e o fim da IV República francesa.

      Uma mirada sobre a reação de D. Pedro, Príncipe Regente, ao que podemos chamar de “golpe” da Tropa Paga, permite traçar algumas linhas de análise das intervenções militares na vida política brasileira. Segundo relata Varnhagen, uma delegação daquela tropa, tendo como intérprete um Sacerdote, foi até o Príncipe pedir a substituição de um Ministro. A fala de D. Pedro ao receber a delegação pode servir até hoje para a compreensão da reação do dito Poder Civil à intervenção militar na política: “Devo-lhes advertir que a tropa não é a Nação; pertence à Nação, mas, como tropa, nem é admitida a votar nas eleições. Aqui temos a Câmara, que é uma autoridade, poderá com mais direito usar da palavra em nome da Nação, e aqui estão os eleitores por mim convocados que poderão falar em nome do povo”. Depois dessas palavras, o Príncipe perguntou que queria a delegação e imediatamente solicitou que os sublevados indicassem o substituto daquele a quem se opunham. Houve, segundo o relato, alguma hesitação, mas, ao final, a Tropa Paga indicou quem lhe parecia melhor (Varnhagen, 1940).

      Um olhar ao mapa permitirá compreender por que D. Pedro cedeu tão depressa depois de marcar sua posição de Regente. A ação passou-se no Rio de Janeiro. Outra força militar que pudesse vir em auxilio da autoridade constituída estava em Ouro Preto ou São Paulo − as duas cidades distantes do Rio de Janeiro, distância maior se levarmos em conta os meios de comunicação da época. A rigor, a oportunidade de um golpe neste estilo era decorrência do que podemos chamar de Espaço e, nele, da localização dos órgãos do Estado.         

      Se ao Espaço atribuo importância na discussão dos problemas brasileiros não é apenas porque o território é um dos elementos definidores do Estado. Isso, sem dúvida, mas também e, sobretudo, porque o território deve ser considerado base morfológica do Estado – sua conditio realiter como diria Freyer. Iria mais longe: o Espaço, da mesma maneira que o Estado e a Economia, tem uma racionalidade (ou seria uma vocação?) que deve ser levada em conta: na medida em que o território só merece consideração se a ação do homem o tornar vivo, ele deve ser ocupado. Em outras palavras, o Espaço chama o Estado a ocupá-lo.

      Se assim é, será importante ter sempre em mente quais são as ligações reais (as vias de comunicação) que permitem ao Governo ocupar o Espaço estatal e exercer a função coativa em nome do Estado. Se as servidões da infra-estrutura não permitem comunicação rápida entre os que comandam o aparelho do Estado (o Governo) e aqueles que devem cumprir suas determinações em todo território estatal (a burocracia), o Governo estará à mercê de qualquer grupo organizado – e, ademais, armado − que tenha como campo e limite de operações a cidade que o Governo fez capital do Estado. Há uma lei de ferro da Política: os organizados triunfam sempre sobre os não organizados. Ela tem um corolário: os mais organizados triunfam sobre os organizados.

      O grupo armado, as Forças Armadas no nosso caso, é mais organizado que a burocracia civil. Ela é o que se poderia chamar de “corporação do Estado”, que se opõe às “corporações da sociedade” ou, se quisermos, àquilo que se convencionou chamar de algum tempo para cá de Sociedade Civil.

      Há de ver que, entre outras coisas, as ações da burocracia civil só podem ser concebidas como racionais (com adequação entre fins e meios) se o comportamento dos funcionários for pautado pela hierarquia e pelas normas gerais do Direito Administrativo. Todavia, sua organização e o espírito que a ela é próprio não soldam atitudes. Não soldam na medida em que os funcionários civis sabem que um erro não os comprometerá, nem à operação, causando danos praticamente apenas aos indivíduos e grupos da sociedade que necessitam de uma decisão administrativa. Ademais, conforme o ethos das burocracias civis − que será conforme a organização geral de cada Estado − a idéia de responsabilidade tende a esmaecer-se, já que é possível ao subordinado remeter ao superior a decisão final sem que, com isso, comprometa-se funcional e juridicamente: isso é o que indica o “salvo melhor juízo” aposto no final dos documentos. Na organização militar, todo o contrário.

      A burocracia civil é, sem dúvida, uma organização. As Forças Armadas − e tomamos o Exército como modelo − é uma organização com características diferentes. Ao caracterizar as organizações, Bosanquet assim descreveu o Exército: “Um exército, da mesma maneira que uma multidão, consiste de muitos homens que estão associados, pessoas a pessoas. Influências passam e repassam entre cada um dos homens e aqueles outros com os quais forma nas fileiras, ou com os quais passa seu tempo de lazer. Deve-se notar, aliás, que estas influências são de natureza mais permanente do que aquelas que se observam entre os integrantes de uma multidão, e que elas são necessariamente diferentes por causa daquela conexão de que falaremos a seguir. Isso porque os elos de ‘associação’ entre homem e homem não são a força determinante nas operações de um exército. O exército é uma máquina, ou uma organização, que está ligada por idéias operacionais corporificadas, por um lado, nos oficiais e, por outro lado, no hábito de obediência e no treinamento que faz que a ação de cada unidade seja determinada não pelo impulso de seus vizinhos, mas pelas ordens de seus oficiais. O que o exército faz é determinado pelo plano do General e não por influências que se comunicam de homem para homem, como em uma multidão. […] O exército é, assim, um sistema ou grupo organizado, cuja natureza ou a idéia predominante corporificada em sua estrutura determina os movimentos e relações de suas partes ou membros” (Bosanquet, 1951).

      No grupo militar, a hierarquia e a disciplina são elementos fundamentais para que, no combate, a execução das ordens dadas pelos superiores permita o menor número de vidas sacrificadas. É uma organização feita para o combate físico, cruento, não uma competição de aptidões, em que cada um arrisca sua vida e sabe que a dos outros depende de seu desempenho. Por isso, a disciplina (o cumprimento das ordens) é essencial para o êxito da operação. Se o funcionário civil “pode” errar na apreciação de um feito sem que daí lhe advenham conseqüências pessoais, no Exército, organizado para o combate, tal não pode acontecer. No Exército não há “salvo melhor juízo”, pois o erro pode ter como conseqüência a morte de quem desobedece às ordens e não cumpre o plano, e a de seus companheiros. O Oficial pode ponderar a seu superior o acerto da ordem recebida, louvando-se na Disciplina Intelectual − pode ponderar e oferecer uma alternativa para a ação, mas deve obedecer se suas observações não forem acatadas por seu superior. 

      O hábito de viver junto para o combate faz que cada unidade militar desenvolva seu espírito de corpo e símbolos que têm, para Oficiais e seus subordinados, significado dir-se-ia vital, como o estandarte regimental que não pode cair em mãos do inimigo, pois isso significará a desonra para o grupo. O grupo militar tem uma noção de honra que muitos poderão considerar como uma sobrevivência medieval. Afora isso, se quiséssemos usar as classificações de Gurvitch, diríamos que a sociabilidade que se desenvolve na carreira das armas é uma sociabilidade de comunhão, em que, na reciprocidade de perspectivas entre a consciência coletiva e as consciências individuais, estas tendem a influenciar menos aquela, assim como os valores presentes na consciência coletiva tendem a predominar sobre aqueles das consciências individuais. No limite, qualquer ofensa ao grupo é ressentida como tendo sido feita a cada um de seus membros, e o insulto a um deles é tido como dirigido ao grupo.

      Há outra característica da organização militar: o ethos burocrático. Ele também preside a vida da burocracia civil, mas, na militar, chega por assim dizer à sua maior potência. Por ethos burocrático, quando referido às organizações militares, deve-se entender também o espírito que inspira as relações entre as chefias e os subordinados e que impregna a mentalidade de todos, principalmente a dos que estão em posição de chefia. Na organização militar, as expectativas de comportamento criadas pela hierarquia – que existe em todos os campos de qualquer ordem social – estão potencializadas.

      Para bem compreender o que entendo por ethos burocrático é necessário fazer uma distinção entre as organizações burocráticas e as organizações políticas. A organização política distingue-se daquela burocrática em que, na primeira, as decisões são adotadas por um núcleo dirigente que deriva a legitimidade de sua dominação (portanto, a expectativa de que as decisões sejam obedecidas) do fato de haver sido eleito pelos membros aderentes; na organização burocrática, a dominação se legitima pelo fato de o núcleo dirigente ter assumido tal função não por eleição, mas pelo preenchimento de uma série de requisitos administrativamente estipulados. Em outros termos, na organização política, cujo tipo ideal é o partido (Tönnies), obedeço àqueles que escolhi por chefes por corresponderem ao modelo de chefe que o meu grupo criou. Já na organização burocrática, cujo modelo é exatamente a organização militar, obedeço àqueles que os regulamentos designaram como superiores por corresponderem à imagem de chefe inscrita nos regulamentos e por terem preenchido as condições regulamentares para a ascensão aos postos de comando.

      Ademais, cabe ver que as relações dentro da organização burocrática típica e as dela com as demais organizações sociais não criam aquilo que Georges Gurvitch chamaria de “sociabilidade ativa”, isto é, contatos humanos capazes de criar novas formas de Direito e novas representações coletivas indicativas da existência de um feixe de ações simbólicas que aponte para um novo projeto grupal. O ethos burocrático não se define apenas por seus aspectos exteriores: nas organizações em que predomina, o chefe dá as ordens e os subordinados obedecem.

      Nas organizações burocráticas, especialmente as assemelhadas ao Exército, as ordens são dadas com base naquilo que se pode dizer ser a “segurança militar” (Heller). Esta é o fundamento do que se pode chamar de “ordem hierárquica”. Que vem a ser a “segurança militar” em contraposição à “segurança jurídica?” A “segurança militar” é a certeza que o dirigente tem de que sua ordem será cumprida porque a coação organizada assim garante; em outras palavras, na organização burocrática não se discute o mérito das ordens, nem mesmo, na maioria das vezes, sua oportunidade. Nisso se distingue da “segurança jurídica”; nas organizações em que esta impera, as ordens devem traduzir o espírito da norma metajurídica que fundamenta a norma positiva em que se funda o direito de ordenar – e esse espírito pressupõe-se que esteja presente na consciência de todos, os que detêm o poder de dar ordens e os que a elas devem obedecer.

      Nas organizações burocráticas, mais do que a obediência às ordens emanadas de quem tem poder legal para dá-las, importa o fato de que aquele que dá as ordens não se preocupa em saber se elas preenchem uma função aglutinadora na relação de forças em presença, se são obedecidas porque se acredita nelas e no fim que se vislumbra estarem elas perseguindo, ou porque os subordinados temem uma sanção disciplinar.

      Afastados da política − transformados no “grande mudo” de que se orgulhava ser o Exército francês −, os militares perderão de vista a natureza das relações políticas, esquecidos de que elas são o fundamento da ação bélica. Esse descompasso reforça códigos de conduta especificamente castrenses e estamentais − entre eles os disciplinares e, o que é mais importante, faz que se reforce aquele sentimento que Vigny tão bem caracterizou na “Grandeza e servidão militares”: O exército é uma nação dentro da nação. No decorrer desse processo, ao pagar o preço à hierarquia e à disciplina, os militares deixarão de ver sua organização como um conjunto de relações de conflito, ajustamento e consenso − relações políticas, portanto, inseridas numa organização maior que é o Estado, a cujas diretivas se subordinam tal como os “instrumentos” se colocam em posição hierárquica inferior dentro de qualquer organização. Mais importante ainda, perdem de vista que o Estado mantém relações políticas (conflito e consenso) com a sociedade − seja com toda ela, quando se destaca da Sociedade Civil, seja com grupos específicos dela, quando de fato representa os grupos socialmente dominantes.

      Em boa medida, pode-se dizer que o trauma do Exército francês na Indochina e, depois, na Argélia decorreu da tomada de consciência de que a guerra é política em sua essência − e de que o Exército não tinha condições de enfrentar politicamente a emergência na medida em que estava preso ainda à concepção de mundo do “grande mudo”. Na literatura do período dessas lutas coloniais, encontra-se a evidência da transformação que se dá na consciência daqueles que alguns chamaram de “pretorianos”, isto é, Oficiais que se sentiram chamados a desempenhar um papel político nas colônias e na metrópole, mas que só sabiam agir politicamente no quadro dos valores mais entranhados da organização burocrática.

      ***

      Uma análise mais fina das intervenções militares na vida política talvez permita dizer que no Império houve uma, a chamada Questão Militar de 1887, em que é difícil encontrar a urdidura de uma trama civil. Se, por um lado, isso é difícil, por outro é importante ver que a Questão Militar marcou o momento em que, no Exército, houve quem pretendesse fazer dele um ator na vida política do Segundo Reinado — o que pode ser visto como a culminação de um processo de tomada de consciência, por parte de um grupo de Oficiais, de que o Exército tinha direito de opinar sobre as coisas da Política — as coisas do Estado. O apoio civil à ação dos militares sucedeu ao fato que dera origem à Questão, mas permitiu, por sua repercussão, que, no Senado, houvesse General coberto de glórias na guerra do Paraguai que colocasse a honra militar acima da lei.

      A Questão Militar irrompe no início – se assim se pode dizer – da campanha que grupos civis moviam contra o que chamavam de “golpe do Terceiro Reinado”, que nada mais era do que a sucessão constitucional pela Princesa Isabel por ocasião da morte ou renúncia do Imperador D. Pedro II. No decorrer da Questão, pelo que se vislumbra nos editoriais de Rui Barbosa no “Diário de Notícias”, estabeleceu-se uma ligação, ainda que intelectual, entre os militares indisciplinados e os conspiradores civis, republicanos. Ligação que tinha por objetivo não apenas evitar o “golpe do Terceiro Reinado”, mas também combater a corrupção. Dessa perspectiva, Rui teve importante papel denunciando o que afirmava ser o favorecimento (com sinais de corrupção) a familiares do Presidente do Conselho na licitação e concessão de obras públicas. Chegou, inclusive, a cunhar um neologismo para designar quantos gozavam de favores que considerava ilegais: “loyos” − uma das famílias que ele acusava era exatamente a família Loyo, cujo ramo comercial era a empreitada de obras públicas.   

      O contato dos militares com o positivismo foi o primeiro com um pensamento político que oferecia soluções prontas e acabadas para todas as questões − mais tarde, esse contato será feito com o liberalismo e, já no segundo quartel do século XX, com o marxismo da III Internacional.  O contato com o positivismo foi danoso para a disciplina e a hierarquia, na medida em que a incorporação das idéias de Comte transplantadas para o meio brasileiro permitiu cimentar a tese de que o militar, antes de ser soldado, era cidadão e, como tal, deveria gozar de todos os direitos civis e políticos que a Constituição de 1824 a eles garantiria. A campanha abolicionista ajudou os militares a interpretar o direito de propriedade como subordinado às prerrogativas da condição de humanidade; a propaganda republicana levou-os a refletir sobre a superioridade de uma forma de governo sobre outra e a decidir pela melhor, ainda que fosse contra a Constituição. A República mergulhou-os no caos das agitações oligárquicas e anti-oligárquicas, ao mesmo tempo em que reforçou, em alguns setores militares, a idéia florianista de que apenas as Armas salvariam a Pátria e de que somente a espada, como o próprio Floriano escrevera no fim do Segundo Reinado, resolveria os problemas em que se debatia o país, especialmente a corrupção.

      Se o “intervencionismo” nasceu nos quartéis, ainda que instigado por civis (as “vivandeiras” que rondavam os quartéis, a que se referiu, certa feita, o Presidente Marechal Castelo Branco, usando a expressão para marcar o desprezo com que via a ação desses civis que buscavam apoio militar para realizar seus objetivos políticos — esquecido, provavelmente, de que sua ascensão à Presidência da República resultara de um assédio do tipo que condenava…), o objetivo colimado pela intervenção nas instituições a partir da campanha contra o “golpe do Terceiro Reinado” era de inspiração civil. Já na República, com exceção dos que perfilavam o “salvacionismo” florianista (e, em 1930, os que se abeberavam no positivismo castilhista que imperava no Rio Grande do Sul), os jovens Comandantes que formaram sua personalidade rompendo a disciplina deixaram-se influenciar pelo liberalismo dos grupos com que mantinham contato e, às vezes, relações sociais íntimas – liberalismo que, a rigor, eram mais idéias dos indivíduos do que representações coletivas dos grupos sociais a que esses civis pertenciam, e que se traduziu nas fórmulas jurídicas da Constituição de 1891 ou na concepção do mundo que conformou o Código Civil de 1916. A primeira consagrou a exclusão, no corpo eleitoral, da maioria do corpo político e um sistema de governo que permitiu a privatização do Estado mediante o acordo entre a Presidência e as oligarquias regionais; o segundo estabeleceu normas de convivência social para uma sociedade ideal de homens letrados. Ambos eram construções jurídicas que pouco tinham a ver com a realidade social, exceto num ponto — aquele em que, na práxis cotidiana, consagrava uma forma não liberal de dominação social ao excluir o Trabalho da Cidade e a Mulher da vida pública, e uma forma não liberal de expressão política, do que é testemunha e evidência o assassínio de Pinheiro Machado.

      Os civis que se contrapunham àqueles que controlavam o Poder no Império, e procuravam detê-lo na Primeira República, tinham nascido e vivido nessa organização social e nesse clima mental; sua oposição tinha por objetivo não a ampliação do corpo político e o fim da exclusão política e social de vastos setores da população, mas fazer que a pureza das fórmulas consagradas na Constituição e no Código se traduzissem em práticas políticas que permitissem um lugar ao sol da política aos membros dos grupos sociais socialmente privilegiados pela riqueza e pelo status, mas que divergiam das práticas políticas vigentes. Não tendo bases sociais de sustentação, o liberalismo das oposições era típico do civilismo oligárquico.

      ***

      É preciso voltar agora ao drama com que iniciamos estas considerações, lembrando os atores que exibiam cartazes em que se lia “Viva o Poder Civil” e “Frente civil-militar”.

      Ao estudar o Segundo Reinado, Oliveira Viana foi quem primeiro soube ver as diferenças entre tipos de mentalidade e ação visíveis no Exército. Para ele, eram dois os tipos de militares que tinham influência na política: os que formavam na “mole militar” e os “totens”, aqueles que, por sua posição na hierarquia militar e seu prestígio, reuniam as condições de, havendo ocasião e oportunidade, movimentar a “mole”. Nesse último grupo, incluía Caxias, conservador, e Osório, liberal, na clara indicação de que os chefes militares tinham sua particular orientação política, embora ambos dedicados à defesa do Estado.

      Os “totens” integram aquilo que chamei de Estabelecimento Militar: o conjunto dos Oficiais, geralmente Generais ou Coronéis na expectativa de promoção, que têm plena consciência de sua subordinação ao Estado via Governo, e do papel que a Constituição lhes prescreve. Vivem esse papel ditado pelas normas constitucionais e obedecem aos Governos cuja investidura consideram legítima por haver decorrido do respeito às mesmas normas legais. Cabe não esquecer que, pela Carta de 1824, a que deu base legal ao Exército, a Força Armada era essencialmente obediente. Os Oficiais intervirão, apesar disto tudo, quando julgarem que o Estado corre risco e a situação política o exige. Na “mole”, encontramos o que chamo de “Partido Fardado”. Convém deter-nos sobre ele.

      Ouvi a expressão ”Partido Fardado” no início da década de 1960, quando um General da Reserva, comentando a situação política, deu a entender que o Exército era um “partido” e, como tal, deveria influir na condução dos negócios do Estado. Com certeza, ele não se referia a uma organização formal e complexa, com aparelho burocrático adequado a uma atividade partidária tal como a entendemos. A expressão traduzia mais a convicção de que o Exército, enquanto organização, deveria participar das decisões políticas que dissessem respeito ao Estado. E ele sabia que nada aconteceria para tornar efetiva essa influência enquanto as chefias naturais não se dispusessem a agir. Foi a partir desse contato que decidi incorporar às minhas considerações sobre as Forças Armadas a idéia de “Partido”, contrapondo-a à das chefias naturais, o ”Estabelecimento Militar”. É que, na verdade, ao referir-se ao “Partido Fardado”, o General tinha na memória o Movimento Militar Constitucionalista, que ajudara a organizar em 1954, o qual contribuíra para êxito da “novembrada” de 1955, liderada pelo General Teixeira Lott.

      Contrariamente aos que integram o Estabelecimento Militar, os Oficiais que podemos enquadrar no Partido Fardado, jovens em sua maioria, não guardam diante da Constituição a atitude de obediência passiva que a Carta de 1824 permitiria esperar: “essencialmente obedientes”. A idéia de que os militares são cidadãos antes de serem soldados, que veio da Questão Militar, esteve presente no dia-a-dia das Forças Armadas desde 1887 ao lado de outra de grande relevância: por serem membros de uma organização afastada das grandezas e misérias da vida civil (confundida com as atividades mercantis), consideravam-se os únicos e legítimos (por desinteressados daquelas atividades) intérpretes da Constituição e defensores do Estado. Esta é uma postura política por excelência.

      Assim como, no estudo das Culturas, somos levados a falar no “espírito” de uma época, que perpassa gerações ainda que não haja instituições formalmente dedicadas à transmissão de valores e ideais, estas duas idéias moldaram uma visão do papel do Soldado frente à Cidade, a Polis. Ser cidadão-soldado significa poder pensar fora e além dos quadros mentais da instituição, uma afirmação de autonomia e independência que só não se traduz em poder porque os que sustentam a idéia sabem que não têm condições hierárquicas para movimentar a “mole militar”. Ver-se como membro de uma organização desligada das atividades mercantis (muitas vezes tidas como vis) faz do cidadão-soldado o único guia legítimo da sociedade, intérprete privilegiado da Constituição e garante, por excelência, do Estado tido como organizador das condutas coletivas. Quando há uma crise política ou de valores na sociedade, a idéia do cidadão-soldado permite aos que a perfilam agir como “partido” − um partido funcional, que como tal deve ser tomado ao exercer uma função hegemônica − a mesma que exerceria, segundo Gramsci, o Chefe de Estado no sistema parlamentarista. Note-se que a ação do Partido Fardado visa a destacar a importância do papel do Exército na Política, não a desestruturar o Exército e fazer dele uma organização a mais na Sociedade Civil.

      Na tentativa de caracterizar o Partido Fardado, cabe dar o devido relevo ao fato de que o Exército é uma organização formal nacional. A Igreja Católica é a única organização que poderia se contrapor ao Exército, por possuir organização centralizada e por cobrir todo o território nacional. Na dita Sociedade Civil não se encontrará, até o último quartel do século XX, uma organização capaz de ombrear com o Exército quando se tem em mente o Espaço estatal — e, claro está, que a Igreja Católica não é parte da Sociedade Civil. Dito isto, é fácil entender como a consciência de ser “nacional” e, ademais, defensor do Estado, leva o Militar a distinguir-se do Civil, especialmente quando o sentimento de autonomia e independência é forte. Chamo atenção para este fato: ser “nacional”, “organizado” e defensor do Estado faz do Militar um cidadão conservador − e faz das Forças Armadas, especialmente do Exército, uma organização defensora da Ordem.

      Abramos parênteses.  O Exército não pode existir sem que todas suas ações sejam inspiradas pela idéia de Ordem, isto é, pela idéia de que hierarquias devem ser ordenadas na sociedade para que não haja ruptura da solidariedade social. O pensamento liberal sobre a sociedade e as relações de poder que se dão nela também se inspira numa idéia de ordem, embora introduza a do dissenso. A diferença entre o que chamaríamos de “ordem militar” e a “ordem liberal civil” é que, para os militares, a Ordem é estabelecida pelos regulamentos, enquanto os liberais a têm como resultante do consenso. O que implica dizer que o liberal aceita que o enfrentamento aberto em caso de conflito seja parte integrante da Ordem, passo necessário para que se chegue ao consenso. Nos momentos de crise de poder na sociedade — aqueles em que apenas pelo jogo das instituições é impossível definir-se quem será o vencedor do enfrentamento criado entre interesses materiais e também ideológicos —, os grupos em presença, especialmente aqueles que se imaginam já derrotados, deixam de considerar esse conflito como inerente à “ordem civil” e consideram que a Ordem só existe quando esse conflito não tiver lugar. É normal, então, que esses setores – mesmo se dizendo liberais – apelem ao “grande mudo” para que restabeleça a Ordem. Para os militares, especialmente os do Partido Fardado, não há nada que contrarie sua maneira de ver o mundo quando os civis pedem que restabeleçam a Ordem; pelo contrário, consideram estar cumprindo seu dever. Afinal, não foram os civis que inscreveram, nas constituições republicanas, que sua função é, entre outras, manter a Lei e a Ordem? Fechemos parênteses.

      Tendo sempre presente que o Partido Fardado é um partido funcional, é preciso perceber que ele se constitui de uma trama bem urdida, como a de um tapete persa, de relações interpessoais. Não se sabe onde começa a urdidura: no quartel, nas reuniões familiares, na troca de correspondência com amigos ou companheiros das Escolas Militares. Mas ela existe, e à medida que o tapete vai ganhando forma e cor, a existência de uma crise mais ou menos séria na sociedade, que ponha em risco a Ordem, faz que os contatos se tornem mais estreitos, o que faz também que os superiores comecem a ser informados de que alguma coisa não está bem. Chegará o momento em que o Estabelecimento Militar, conduzido, com freqüência, por um totem, será chamado a agir para que se mantenha a hierarquia e a disciplina ainda que à custa da legalidade formal. Nesse momento, há a intervenção. Comandada pelos Generais, mas provocada pelo desassossego criado pelos membros do Partido Fardado.  

      Um caso ilustrará o que pretendo dizer. De minha experiência profissional como jornalista, guardo a memória dos fatos que cercaram a edição do Ato Institucional nº 5 em 1968. Para que bem se compreenda o que aconteceu, convém insistir em que vivíamos, desde março de 1967, sob o império de uma Constituição votada pelo Congresso, embora a intranqüilidade nos quartéis fosse de todos conhecida. Não tenho memória do discurso do Deputado Márcio Moreira Alves (que provocou a crise) ter sido publicado ou difundido por algum meio de comunicação. Ele o pronunciara no tempo conhecido como Pinga Fogo, reservado na Câmara dos Deputados aos que, no Baixo Clero, tenham alguma comunicação a fazer, de qualquer natureza. Geralmente, a Imprensa não cobre esse período das sessões da Câmara, pois nada de útil (em termos jornalísticos) acontece. Tudo me faz crer que um membro do Partido Fardado leu no “Diário Oficial” o que Márcio Moreira Alves dissera e fez chegar o discurso a seus companheiros em todo o Brasil.

      Uma noite, começaram a chegar notícias de que os quartéis estavam em polvorosa porque o discurso de Márcio Moreira Alves fora considerado ofensivo às Forças Amadas. Começou aí o processo que levou ao Ato: os ministros militares fazendo pressão sobre o Presidente da República para que punisse o deputado, e Costa e Silva e Pedro Aleixo (vide-presidente) resistindo. Processo que a Imprensa cobriu. A decisão da Câmara, negando licença para que o Deputado fosse processado pelo Supremo Tribunal Federal, rompeu os diques da disciplina.

      Os que viveram aquele momento, especialmente a tarde e a noite do dia 13, lembram-se de que, em todo o Brasil, especialmente nos centros vitais, a tropa se fez à rua sem comando apenas conhecida a decisão da Câmara− os Generais assumindo a direção dos acontecimentos depois dos fatos consumados para não serem ultrapassados. Houve quem, presente à reunião ministerial na qual se votou a edição do Ato, dissesse haver sentido nos Oficiais presentes, não nos Generais, um “elã soreliano” de fazer a revolução, isto é, depor o Presidente Costa e Silva se não concordasse com a edição de medidas de exceção. Houve também quem dissesse, mais tarde, que, se Castelo Branco fosse vivo, Costa e Silva teria sido deposto e Castelo seria o executor do Ato. A relação entre o Partido Fardado e o Estabelecimento Militar foi posta em evidência não naquele dezembro de 1968, mas em 1969, quando, nos quartéis, escolheu-se o novo Presidente de República, General Médici. O totem do período que se concluiu com a eleição de Médici foi o General Orlando Geisel, chefe do Estado-Maior do Exército.

      Permito-me fazer ainda algumas outras observações sobre o Estabelecimento Militar e o Partido Fardado, buscando melhor esclarecer seu comportamento. Até 1964, mais especificamente até o governo Castelo Branco − o chamado Comando Revolucionário afastou os dissidentes de 31 de março − eram conhecidos os totens nas Forças Armadas. Digo conhecidos, porque deles se falava nos círculos políticos. Eram Oficiais-Generais das diferentes Forças que tinham feito por reunir, ao longo de sua vida profissional, a simpatia, quando não a adesão de um bom número de Oficiais de diferentes patentes, Generais inclusive, às posições políticas que manifestavam, no limite permitido pelos regulamentos disciplinares. Dizia-se, então, que havia o “grupo” deste ou daquele Oficial-General. Nas eleições no Clube Militar, denominado “A Casa da República”, a cuja Presidência − diferentemente do que hoje ocorre − concorriam Generais da Ativa, cada grupo (ou uma coligação de vários deles) media suas forças, apoiado no prestígio de um ou de vários chefes militares.

      Passados os anos e refletindo sobre o período pós-1945, creio poder dizer que era no Clube Militar que o Estabelecimento Militar procurava influenciar o Governo, ao mesmo tempo em que os Oficiais-Generais que disputavam a Presidência da entidade transmitiam sua mensagem para grupos civis politicamente afins que, muitas vezes, auxiliavam financeiramente as campanhas. Politicamente afins porque, a partir de 1945 ou 1950 para sermos mais precisos, a Política invadiu os quartéis e contaminou o Estabelecimento Militar. Foi o período em que se começou a falar nos “nacionalistas” e nos “democratas”, que se distinguiriam pelas posições que assumiam diante dos Estados Unidos e da presença do capital estrangeiro no País.

      Em 1945, quando a discussão desses temas ainda não era motivo de divisão, o fim do Estado Novo era a palavra de ordem que unia todos − os civis que se articulavam a partir de 1942 quando o Brasil declarou guerra ao Eixo, e alguns grupos militares, especialmente os Coronéis que tinham estado na FEB. O receio de um golpe de Getúlio Vargas com o apoio dos comunistas permitiu que o Estabelecimento Militar agisse como um bloco coeso. Em 1954, a pressão popular para que Vargas renunciasse a fim de que se esclarecesse o assassinato do Major Rubem Vaz por sua vez permitiu uma ação homogênea dos Generais em comando no Rio de Janeiro. Nas intervenções de 1961 e de 1964 o mesmo não ocorreu. Na crise da renúncia de Jânio Quadros, o General Machado Lopes, Comandante do III Exército, dissentiu da orientação dos Ministros militares em ação paralela à de Leonel Brizola, levando à implantação do Parlamentarismo. Em março de 1964, o General Mourão Filho, que era General-de-Divisão, agiu por iniciativa própria, levando a que Costa e Silva, General-de-Exército, assumisse, no Rio de Janeiro, o Comando Geral das operações contra o Presidente João Goulart.

      Em 1961, a crise foi resolvida pelos Generais, vale dizer, nos quadros do Estabelecimento Militar, ainda que vencendo a resistência dos Ministros militares.  Em 1964, ao assumir o Comando das operações, o General Costa e Silva conseguiu dar ao movimento o caráter de ação em que se respeitava o princípio da hierarquia, muito embora o Partido Fardado tivesse desempenhado papel de relevo na conspiração que se iniciou em 1962.

      Como disse, o Partido Fardado tem de ser visto como organização funcional. Assim como os Generais se dividiam em grupos conforme sua posição diante dos Estados Unidos e da presença do capital estrangeiro, com reflexo na política interna conforme o comportamento dos representantes eleitos, era possível encontrar divisão entre Oficiais superiores e os demais. O que não impede que, no esforço de caracterização, falemos em Partido Fardado, pois foi ele que levou, especificamente depois de 1945, às intervenções de 1955 e 1964. O que gostaria de deixar claro é que o Partido Fardado, nos diferentes momentos em que forçou uma intervenção do Estabelecimento Militar, agiu como catalisador de inconformismo com uma dada situação, confiante, esta a verdade, em que haveria Generais que, para resguardar o princípio da hierarquia e fazer que o Estado não se desviasse dos rumos que julgavam certos, comandariam a intervenção. O depoimento do General-de-Divisão (R/1) José Alberto Betancourt sobre o 11 de novembro de 1955 o ilustra: a tropa na rua, ele e seu irmão José Alexínio foram ao General Lott pedir que assumisse o Comando da operação. O que acabou acontecendo.

      ***

      É tempo de cuidarmos da criação do Ministério da Defesa. Antes, porém, é preciso examinar brevemente cada uma das intervenções militares a que me referi.

      Salvo engano, houve 25 intervenções, algumas decisivas, outras apenas indicativas de uma crise militar. Dessas, 15 ocorreram em seqüência a crises na sociedade ou contaram com o apoio de grupos sociais: 1821, 1831, 1840, 1888, 1889, 1924, 1930, 1945, 1950, 1955 (duas vezes), 1961, 1964. As que tiveram motivação exclusivamente militar foram em número de 11: 1868, 1887, 1903, 1922, 1937, 1956, 1959, 1963, 1968, 1969 (duas vezes). As de 1965 têm caráter duplo, pois foi a ação do Partido Fardado que levou o presidente Castelo Branco a editar o Ato Institucional nº 2, contando com o apoio de pequenos grupos civis.

      É relevante, para essa análise, ter em conta que as intervenções que tiveram profundas conseqüências institucionais foram aquelas em que o mundo civil preparou o clima para a ação dos militares ou a apoiou com entusiasmo. Digo relevante porque foi a partir desse apoio que os militares (Partido Fardado e Estabelecimento Militar) consideraram-se intérpretes daquilo que a sociedade desejava ter como política de Estado e observância da Constituição. No caso específico de 1964, a Marcha (multitudinária) da Família com Deus pela Liberdade, realizada em São Paulo e outras capitais antes do 31 de março, consolidou, na mentalidade do grupo militar triunfante, a idéia de que a contra-revolução (como o movimento passou a ser chamado) atendera ao apelo da sociedade. Os grupos civis − não os que decidiram partir para a ação armada − que se colocaram contra a intervenção foram tidos como adversários do saneamento necessário do Estado.

      A análise das intervenções — e, portanto, a da História — será falha se não considerarmos que nem todas uniram a “mole militar” num bloco orgânico e impermeável às eventuais seduções de grupos civis prejudicados. Em todos os momentos decisivos depois da eleição de Castelo Branco, grupos civis e os militares exaltaram a União Civil-Militar. Queremos dizer com isto que houve intervenções que consolidaram a unidade das Forças Armadas e outras que contribuíram para a sua divisão. A união ou a fratura na unidade decorreu sempre da posição política dos totens − porque, não nos enganemos, para que um General pudesse ser considerado totem era necessário que, pelas posições assumidas ao longo de sua vida militar, especialmente depois que chegava ao generalato, tivesse conquistado a simpatia de muitos oficiais subordinados, que se disporiam a segui-lo em suas ações mesmo que fora do quadro constitucional. Um “caso” servirá de exemplo: por volta de 1962, muitos Capitães se recusavam a seguir alguns Generais que, para eles, haviam sido promovidos por injunções políticas e não por mérito pessoal ou profissional.

      Tomemos 1937 como ponto de partida para a análise das intervenções. O golpe de Estado só foi possível porque o Ministro da Guerra e o Chefe do Estado-Maior do Exército garantiram a Vargas a solidariedade da tropa. Além do que não devemos nos esquecer de que a Intentona de 1935 e as notícias da Guerra Civil espanhola tinham reforçado no corpo da tropa a consciência da necessidade de manter a ordem (aqui com minúscula) contra uma eventual repetição do que acontecera no Nordeste e no Rio de Janeiro. Além do que, também, convém termos sempre presente que a pregação da Ação Integralista Brasileira conquistara adeptos fervorosos nas Forças, especialmente na Marinha.

      O significativo no golpe de 10 de novembro é que tanto Eurico Gaspar Dutra (Ministro) quanto Pedro Aurélio de Góes Monteiro (Chefe do EME) tiveram o cuidado de não comprometer o Exército em ações repressivas. A tropa que fechou o Congresso Nacional era da PM do Distrito Federal; a repressão aos adversários foi feita pela Polícia Especial. E, fato relevante, Dutra teve o cuidado de comunicar ao Alto Comando do Exército que fora promulgada uma nova Constituição, que os especialistas consideravam adequada ao momento vivido pelo Brasil, Constituição essa que previa um plebiscito para que fosse consagrada pela vontade popular. Em outras palavras, para todos os efeitos o Exército não interferira no processo político, limitando-se a cumprir suas funções, obediente ao Chefe de Estado.

      Essa maneira de apresentar as coisas marcou o Exército, inclusive os que conspiraram com Vargas em 1937; marcou tanto que, em 1945, Góes, Ministro, os Generais com Comando no Rio, além de Dutra e Eduardo Gomes com ele solidários, da mesma forma que a Marinha e a FAB infante, todos agiram no 29 de outubro na certeza de que Vargas planejava um golpe de Estado para impedir as eleições marcadas para dezembro. A imagem de Vargas, golpista, ademais aliado aos comunistas (a política de Prestes em 1945, formando com os queremistas, levava-os a acreditar numa aliança) ficará para sempre e marcará o processo político depois de 1945. O recurso a ela ajuda a entender o processo de março de 1964, quando se temeu o golpe de Goulart-Brizola e dos comunistas.

      A deposição de Vargas em 1945 foi a última intervenção coesa das Forças Armadas. Depois, desconsiderada a de 1950, que se limitou à fala isolada de um General (tomada como posição do Exército), a situação mudou.

      1954 – Ao reclamar a demissão de Vargas, os Oficiais-Generais das três Forças não consultaram os Coronéis, muitos dos quais defendiam que o processo político seguisse os caminhos previstos pela Constituição. O resultado dessa atitude foi a criação do Movimento Militar Constitucionalista, que permitiu a “novembrada” de 1955.

      1955 − Os dois golpes de Estado − 11 e 21 de novembro − dividiram as Forças Armadas. A divisão no Exército não chegou a ser significativa. Na Marinha, a quase totalidade do corpo de Oficiais colocou-se contra a nova situação; na FAB, a divisão foi sensível. As revoltas de Jacareacanga e Aragarças (1956 e 1959), protagonizadas por Oficiais da Aeronáutica, ações que poderíamos chamar de “individuais”, foram conseqüência dessa divisão. Não se deve desconsiderar que muitos daqueles que se colocaram contra a “novembrada” viram, nela, a ação do Partido Comunista, que teria infiltrado o Exército e a FAB.

      1961 − A decisão dos Ministros militares de não dar posse a João Goulart cindiu o Exercito e a FAB. A ação do General Machado Lopes, no comando do III Exército, recusando-se a apoiar os Ministros, foi decisiva na condução do processo e para a solução da crise.

      1964 − A divisão nas Forças Armadas não se traduziu em ações no dia 31 de março ou nos primeiros dias de abril, mas sim nas medidas repressivas aplicadas contra Oficiais e Sargentos das três Forças pelo Comando Revolucionário que se constituiu no dia 31 de março. É significativo que o apelo à unidade das Forças Armadas tenha sido a tônica de quase todos os pronunciamentos de Castelo Branco e Costa e Silva quando se dirigiam ao meio militar.

      1969 − O Ato Institucional nº 17 espelhou a crise nas Forças Armadas. A Junta Militar agiu para prevenir qualquer tipo de ação militar que contestasse sua política geral.

      ***

      Castelo Branco foi exemplo típico do integrante do Estabelecimento Militar influenciado pelo liberalismo que vicejava em alguns círculos urbanos brasileiros − com o que seu governo e sua política foram marcados pelo liberal-militarismo.

      Da leitura do livro do General Jayme Portela sobre o Governo Costa e Silva, resulta claro que Castelo Branco foi escolhido pelos Governadores de Guanabara, São Paulo, Minas, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, fosse para impedir que o General Costa e Silva exercesse um poder quase pessoal, contrariando os objetivos declarados do movimento, fosse para atender à exigência que lhes fizera o General Moniz de Aragão: o Exército quer Castelo.

      Foi com a eleição do Marechal Castelo Branco que teve início o segundo ato do drama referido de início.

      Por haver pautado suas ações pela tentativa de conciliar os ideais liberais-democráticos com o ethos militar e as exigências do período, o Governo Castelo Branco fez o possível para que não fosse visto como uma ditadura − mais especificamente, uma ditadura militar. Além da crença professada por Castelo Branco na democracia liberal, havia outra razão para esse empenho: o fato de sempre haver tido as ditaduras militares ibero-americanas como referência negativa e desejar sinceramente que este epíteto não recaísse sobre o Brasil. Editou o Ato Institucional nº 2, o único repressivo de sua gestão, mas tudo fez para que as cassações e suspensões de direitos políticos fossem vistos como exigência daquilo que se chamava, então, Revolução. E para deixar claro que o Brasil era diferente da América espanhola, promoveu a elaboração de uma Constituição que reforçava, sem dúvida, o Poder Executivo, mas preservava as liberdades. Nada melhor ajuda a definir sua posição ideológica e sua relação com o Partido Fardado do que a frase atribuída ao General Orlando Geisel na fatídica noite do 13 de dezembro de 1968, quando se editou o Ato Institucional n° 5. Dirigindo-se ao Vice-Presidente Pedro Aleixo, teria dito: “Dr. Pedro, Castelo nos traiu. Desta vez não haverá nem prazo [para a vigência do Ato] nem habeas corpus”.

      O apego de Castelo Branco às formas liberais e o temor de que o Brasil pudesse ser confundido com uma republiqueta ibero-americana qualquer − no contexto da Guerra Fria, assinale-se − levou-o a procurar criar as condições legais para que os totens não pudessem mais ter ação na vida política brasileira. Mais do que isto: deixassem de existir. Ao mesmo tempo, retirou um dos motivos de insatisfação na jovem oficialidade, que era a demora nas promoções a postos superiores. As duas idéias-fixas levam-no a promulgar uma profunda reforma na estrutura das Forças Armadas: os Oficiais passaram a ter um limite de idade para permanecer no posto, critério este associado ao de tempo limite de permanência no posto. Quando se associa essa reforma ao decreto da Junta Militar de 1969, dando aos Ministros militares a prerrogativa de, a cada promoção, escolherem os Oficiais que, a seu ver, deveriam passar para a Reserva − dispositivo que continua em vigor, qualquer que seja a forma legal que assumiu depois de 1969 −, passamos a ter Forças Armadas bem diferentes daquelas em que ele próprio, Castelo, se formara, e cuja estrutura vinha sendo mantida desde as últimas reformas da República, a última das quais, quero crer, foi a famosa “Lei Denys”. O General-de-Exército Odylio Denys, peça chave na “novembrada”, deveria passar à Reserva por ter atingido o limite de idade na Ativa, que era de 64 anos. Para mantê-lo no Comando do I Exército, indispensável à segurança do Governo, o Presidente Kubitschek fez aprovar lei aumentando para 66 anos o limite de permanência na Ativa.

      Com a reforma feita por Castelo, e tendo em vista que a Presidência era ocupada por um general, o Partido Fardado deixava de existir porque não haveria mais campo no qual pudessem florescer suas demandas; não haveria mais totens porque não haveria mais tempo para que uma liderança se consolidasse nos altos postos da hierarquia — a permanência num posto estava condicionada por tempo e idade e, ademais, dependia de um ato do Ministro, da confiança do Presidente da República.

      A essas providências, aceitas pelos jovens Oficiais na medida em que abriam a possibilidade de os Coronéis chegarem a General com menor idade do que até então, somou-se uma outra que teve efeito imediato e duradouro: o congelamento, se não a redução do orçamento das Forças Armadas. Essas medidas trouxeram visível prejuízo para a pretensão das Forças Armadas − desde a proclamação da República, pelo menos − de influir nos negócios do Estado. Da mesma forma como serão responsáveis pela tão pequena reação militar à criação do Ministério da Defesa. É preciso, igualmente, atentar para a concepção geral que Castelo Branco tinha da defesa nacional − concepção esta que em alguns de seus aspectos, talvez os essenciais, inspirou governos que se sucederam ao do General João Baptista Figueiredo.

      A idéia que Castelo Branco fazia de segurança e defesa nacionais, ele a expôs com clareza na última conferência que proferiu na Escola Superior de Guerra, a 13 de março de 1967, dois dias antes de deixar o Governo. A conferência é longa. Dela, tomo alguns trechos sem, com isto, diminuir a extensão da citação. Creio necessário fazê-lo, pois ali se encontram muitas das idéias que acabaram consolidando a posição de quantos desejavam a criação do Ministério que unificasse os assuntos militares e de defesa e segurança nacional − intenção que foi também a de Castelo Branco. Ainda que não se encontrasse quem externasse uma clara oposição a esse Ministério, sua criação já era vista em pequenos círculos como imposição do Governo dos Estados Unidos. À época, a reação mais firme às políticas de Castelo Branco surgiu do grupo que assessorava o General Costa e Silva: uma clara oposição à criação da Força Interamericana de Paz, proposta que Castelo Branco defendeu na conferência proferida na ESG. Mais tarde, o presidente Costa e Silva revogaria o artigo do Decreto-Lei 200, da Reforma Administrativa feita por Castelo Branco no fim de seu governo, determinando estudos para a criação do Ministério das Forças Armadas.    

      Vamos, porém, aos trechos mais relevantes daquela conferência :

      Segurança e defesa − “A primeira parte a fixar é a dilatação do conceito de segurança nacional, bastante diferenciado, hoje, do conceito mais restrito de defesa nacional. A diferença é dupla. O conceito tradicional de defesa nacional coloca mais ênfase sobre os aspectos militares da segurança e, correlatamente, os problemas de agressão externa. A noção de segurança nacional é mais abrangente. Compreende, por assim dizer, a defesa global das instituições, incorporando por isso os aspectos psico-sociais, a preservação do desenvolvimento e da estabilidade política interna; além disso, o conceito de segurança, muito mais explicitamente que o da defesa, toma em linha de conta a agressão interna, corporificada na infiltração [e na] subversão ideológica, até mesmo nos movimentos de guerrilha, formas hoje mais prováveis de conflito que a agressão externa.”

      Segurança e desenvolvimento − “Desenvolvimento e segurança, por sua vez, são ligados por uma relação de mútua causalidade. De um lado, a verdadeira segurança pressupõe um processo de desenvolvimento, quer econômico, quer social. Econômico porque o poder militar está também essencialmente condicionado à base industrial e tecnológica do País. Social, porque mesmo um desenvolvimento econômico satisfatório, se acompanhado de excessiva concentração de renda e crescente desnível social, gera tensões e lutas, que impedem a boa prática das instituições e acabam comprometendo o próprio desenvolvimento econômico e a segurança do regime”.

      Segurança e ideologias  − “A doutrina de segurança nacional, assim como o conceito de estratégia, não constituem um corpo rígido de princípios, comportando influências ideológicas, tecnológicas e econômicas.

      A influência doutrinária pode ser exemplificada pelo expansionismo territorial […], pelo expansionismo ideológico […] ou pelo isolacionismo, conforme ocorreu em certas fases da história americana.         

      Defesa associativa − No caso brasileiro, a nossa longa tradição pacifista leva-nos a uma doutrina essencialmente defensiva. A opção que realmente se nos apresenta é entre um conceito de segurança eminentemente nacional, o que seria algo irreal no mundo moderno, e esquemas de defesa associativa, em que passamos a pensar em termos de segurança continental.

      Segurança e PIB − “A inter-relação entre desenvolvimento e segurança faz que, de um lado, o nível de segurança seja condicionado pela taxa e potencial de crescimento econômico. E que, de outro lado, o desenvolvimento econômico não se possa efetuar sem um mínimo de segurança. O problema comporta análise mais detida. A primeira e mais fundamental limitação ao planejamento da segurança é a própria dimensão do produto nacional bruto do país. Estima-se que, para os países subdesenvolvidos, não mais que 1% a 2% do produto nacional bruto possam, em condições normais, ser dedicados à segurança, sob pena de se infirmar o próprio ritmo de crescimento, de vez que uma boa parcela do dispêndio de segurança é por sua própria natureza improdutiva”.

      “Nos países já desenvolvidos e com responsabilidades de liderança, essa proporção tem ascendido recentemente a cerca de 10%, aparentemente sem efeitos danosos para a manutenção da taxa de crescimento. O Brasil tem procurado ater-se a esse critério geral. […] Comparativamente ao produto interno bruto, o dispêndio de defesa se situa na faixa entre 1% a 2%, sendo de notar que boa parcela desse dispêndio é de natureza produtiva como, por exemplo, os investimentos em treinamento técnico e científico, em telecomunicações, na infra-estrutura de avaliação civil, na construção de vias de transporte.

      Segurança e inflação − “Se o volume de recursos que se pretende devotar à segurança nacional se choca contra ambições inflexíveis de outros setores, agrava-se imediatamente a pressão inflacionária. Daí podem decorrer três tipos de atitude. […] A terceira atitude, a única sensata a longo prazo, é o planejamento para a estabilização. Isso implica utilizar-se o orçamento como instrumento estabilizador, para reconciliação de objetivos conflitantes, sem inflação ou com um mínimo de inflação”.

      Segurança e câmbio − “Uma outra das grandes constrições ao planejamento da segurança é de natureza cambial. Um país sem reservas de divisas não pode contar com abastecimento regular de produtos essenciais à segurança. Tem dificuldade em conseguir empréstimos, e só consegue em condições onerosas. Finalmente, suas importações carregam um sobrepreço pelos riscos de atraso e insolvência”.

      Segurança e política internacional − “No exame da inter-relação do desenvolvimento com a Segurança Nacional, não nos podemos furtar à consideração do problema de política internacional. Ela é importante neste contexto sob dois aspectos. Primeiramente, porque, num mundo econômico e socialmente interdependente, a segurança nacional não pode ser alcançada em bases exclusivamente internas. Em segundo lugar, porque temos de buscar no exterior meios de economizar dispêndio de defesa, através de esquemas associativos e também financiamentos, capitais e tecnologia para o desenvolvimento econômico.

      Dissuasão nuclear − As realidades históricas e geográficas nos inscreveram no dispositivo da segurança do Hemisfério Ocidental. Fornece-nos ele um escudo nuclear efetivo contra veleidades de agressão extracontinental, hoje pouco prováveis, em face do chamado ‘equilíbrio do terror’. Certamente que não teríamos recursos econômicos, e mesmo técnicos, para criarmos nossa ‘dissuasão nuclear’ própria e, se o buscássemos fazer, fá-lo-íamos com sacrifício de nosso desenvolvimento econômico e padrão de vida. Felizmente, o dispositivo de segurança continental, assim como o de todo o Mundo Ocidental, é consensual e não impositivo. Dentro dele há espaço para o exercício da verdadeira independência, seja pelo esforço de asserção de uma hegemonia política regional, como sucede hoje na Europa Ocidental, seja pela livre busca de formas e organização política e econômica e de contatos internacionais, com a única exceção do regime comunista [de Cuba], considerado pela declaração de Punta del Este, firmada anteriormente a meu governo, como ‘incompatível’ com o sistema interamericano.”

      ***

      Creio que devemos guardar duas idéias de Castelo Branco: diante do dilema “manteiga ou canhão”, escolheu com clareza “manteiga”, pensando na inflação que decorreria de um esforço maior na segurança e na defesa; a defesa nacional (“O conceito tradicional de defesa nacional coloca mais ênfase sobre os aspectos militares da segurança”), pelas mesmas razões econômicas, deverá ser associativa. A dissuasão nuclear estará fora de cogitação.  

      A preocupação com a inflação e o controle orçamentário persiste até hoje. Da mesma maneira que continua sendo realizada a política de congelamento do orçamento militar (e o de outros Ministérios). Além das restrições orçamentárias, o contingenciamento de verbas afeta de maneira dramática programas autônomos de desenvolvimento das diferentes Forças. A idéia de defesa associativa foi abandonada pelos governos que se sucederam, presidentes militares ou civis. Mas foi substituída pelo emprego sistemático das Forças Armadas em Operações de Paz das Nações Unidas. Essa última política encontra justificação, em alguns círculos, como necessária para que o Brasil possa ter trunfos que o habilitem a conquistar um lugar permanente no Conselho de Segurança. Esta é uma política a ser discutida com vagar − em síntese, podemos dizer que transforma as Forças Armadas brasileiras em “sipaios” da globalização. A combinação dessas políticas representou, na prática governamental, o controle civil das Forças Armadas aperfeiçoado com a criação do Ministério da Defesa.

      O dano maior causado pela política de congelamento orçamentário foi facilitar a penetração, no meio militar, da mentalidade que poderíamos chamar de ”sindicalista” − isto é, a preocupação limitada aos soldos e vencimentos. Tal mentalidade não afetou apenas os Sargentos, mas também o corpo de Oficiais. A ela, veio associar-se a idéia, continuadamente expressa por Oficiais da ativa, de que se faz necessário eleger uma bancada a uma representação militar para que os interesses daqueles que integram as Forças Armadas fossem defendidos. Por outro lado, o corte dos orçamentos impediu a modernização das Forças − sem falar, pois foge de meu tema neste artigo, da atual situação de penúria delas todas.

      Desde Castelo Branco até o momento em que o Ministério da Defesa entrará em cena, em 1999, decorreram pelo menos 32 anos em que a crise salarial (com perdão da expressão) encontrou campo e condições para corroer já não o “ethos burocrático”, mas o “espírito militar”, fundado na vocação para a carreira das Armas. Esse processo foi acompanhado por outro, este decorrente da crise sócio-econômica que afeta largas camadas da população. Já em 1965, os Oficiais mais atentos à preservação do “espírito militar” se preocupavam com dois fenômenos: o progressivo desaparecimento das “famílias militares” (três ou até mesmo quatro gerações engajadas) e a crescente procura pelas Escolas Militares, especialmente a do Exército, por cidadãos das classes C e D que nelas viam apenas um caminho mais suave para vencer as desigualdades sociais, muitos deles sem qualquer vocação nem qualquer “espírito militar”, embora pudessem possuir forte espírito esportivo e competitivo. O que não altera o sentimento de camaradagem que desde sempre uniu e une os Oficiais, mas altera as perspectivas e as posturas perante o Estado e a Sociedade.

      Este quadro, ainda que longo (mas seguramente precário) fornece elementos para compreender por que o Ministério da Defesa não encontrou reações significativas nas Forças. O General, cujas palavras citei em epígrafe, ele próprio aceitava passivamente a subordinação de sua Força a um civil. É que no fundo, embora não o dissesse, não estava disposto a lutar contra o sentimento de hostilidade experimentado pelas Forças Armadas, que já podia sentir no Governo Collor e na sociedade, afora saber que não havia mais grupos civis dispostos a formar com elas aceitando que influíssem nos negócios do Estado. Uma dupla realidade que ainda hoje se encontra em muitos grupos sociais, especialmente no que se diria ser a Inteligência, para não citar os empresários que tiveram participação ativa na criação do clima que levou a março de 1964.

      É que, na verdade, na sociedade, são poucos, muito poucos, os que se identificam hoje com os objetivos sonhados por muitos dos que agiram no período em que os Generais eram Presidentes, ainda que fazendo toda sorte de reservas ao sistema repressivo que se instalou a partir de 1968. O período Costa-Figueiredo, 13 de dezembro de 1968 a 1º de janeiro de 1979, parece condenar as Forças Armadas ao isolamento sem que nelas haja Comandos naturais que as defendam inclusive de si mesmas. Esse isolamento não significa rejeição nas pesquisas, é, antes, uma condição que permite a aprovação dos serviços que as Forças hoje prestam às comunidades denominadas carentes e dos métodos utilizados, e não se definiu apenas em 1999. Bem antes, numa conferência sobre os objetivos do Instituto Liberal de São Paulo a Oficiais superiores da Marinha, defrontei-me com esta questão angustiada: “Por que a sociedade está contra nós?”. É comum encontrarmos, hoje, Oficiais jovens da Ativa, em diferentes Forças, que dividem a história do Exército em dois momentos: 1964/1985, e Hoje. Eles nada têm a ver com a instituição e sua história. E a sociedade vê as Forças como um instrumento de apoio aos Governos, não como instrumento do Estado, embora muitas vezes resolvam problemas o que ele, Governo, demonstra não ter condições de resolver. 

      Antes, ainda, de cuidar, de outra perspectiva, do Ministério da Defesa, não podemos nos esquecer não de uma circunstância, mas de um fato: a pressão norte-americana para que as Forças Armadas brasileiras sejam transformadas em Gendarmaria dedicada, além da guarda das fronteiras (concessão evidente), ao combate ao tráfico e drogas, ao crime organizado e eventualmente à subversão armada.     

      Esta é uma política de Estado. Tomei conhecimento dela, pela primeira vez em 1968, enunciada como sugestão por Robert Kennedy, que esteve em São Paulo para participar do I Fórum das Américas. Depois, soube que, nas reuniões de Ministros da Defesa e Chefes de Estado-Maior das Américas (às quais comparecia o Secretário da Defesa dos Estados Unidos), o assunto era levantado. A última notícia que tive foi na reunião de Santiago do Chile, quando José de Alencar teve de dizer “não” a Rumsfeld, que lhe fizera a proposta. Nas reuniões anteriores, comparecia pelo Brasil o Ministro-Chefe do Estado-Maior das Forças Armadas (EMFA).

      A pressão nessas reuniões poderia ser considerada um “ataque frontal”. Agora, a estratégia é a da “aproximação indireta”, que se dá via American Defense University à qual acorrem universitários brasileiros para realizar cursos de curta duração. O objetivo claro é falar da necessidade de o Poder Civil controlar as Forças Armadas. E o primeiro passo para tanto é o controle do orçamento militar.

      ***

      Em fevereiro de 1967, um mês antes de transmitir o governo ao Marechal Costa e Silva, o Presidente Castelo Branco assinou o Decreto-Lei 200 que “dispõe sobre a organização da Administração Federal, estabelece diretrizes para a Reforma Administrativa e dá outras providências”. O DL 200 sofreu muitas alterações introduzidas por diferentes governos posteriores. É interessante observar as modificações (ou inclusões) feitas na parte referente ao Estado-Maior das Forças Armadas.

      Pelo artigo 32, III, o EMFA é “órgão de assessoramento imediato do Presidente da República” sem status de ministro. Apenas em 1974, alteração introduzida no artigo 32 diz, em seu parágrafo único, que o Chefe do Estado-Maior das Forças Armadas é Ministro titular do órgão. O EMFA, porém, convém lembrar, não é um Ministério; é apenas, como estabeleceu o DL 200, um órgão de assessoramento imediato do Presidente da República e nessa condição participa do Conselho de Segurança Nacional (artigo 42). Além do EMFA, é órgão de assessoramento do Presidente da República, entre outros, o Alto Comando Militar.

      As Forças Armadas estavam, assim, diretamente ligadas ao Presidente da República, que as ouvia na seguinte condição :

      “Artigo 47 − O Alto Comando Militar [integrado pelos Ministros militares, o chefe do EMFA e os chefes de EM das Forças singulares] é um órgão de assessoramento do Presidente da República nas decisões relativas à política militar e à coordenação de assuntos pertinentes às Forças Armadas” − DL 200.

      O artigo 50 estabelece as atribuições do EMFA:

      “I – Proceder aos estudos para a fixação da Política, da Estratégia e da Doutrina Militares, bem como elaborar e coordenar os planos e programas decorrentes;

      “II − Estabelecer os planos e coordenar o emprego de Forças Combinadas e ou conjuntas e de Forças singulares destacadas para participar de operações militares no exterior;

      “III − Coordenar as informações no campo militar;

      “IV − Propor os critérios de prioridade para aplicação dos recursos destinados à defesa militar;

      “V − Coordenar os planos de pesquisas, de fortalecimento e de mobilização das Forças armadas, e os programas de aplicação de recursos decorrentes;

      “VI − Coordenar as representações das Forças Armadas no País e no Exterior;

      “VII − Proceder aos estudos e preparar as decisões sobre assuntos que lhe forem submetidos pelo presidente da República”.

      O DL 200, como visto, é de fevereiro de 1967. O General Costa e Silva não o assinou, pois deixara o Ministério da Guerra para concorrer às eleições. O Ministério da Guerra passou a denominar-se “do Exército” depois do DL 200. Em 1969, no Governo Costa e Silva, a resistência dos Ministros militares ao EMFA tornou-se patente.

      O Decreto Lei 900, de 1969, alterou as funções do EMFA. São mudanças às vezes sutis, mas que indicam a clara vontade dos Ministros militares de não ceder poder a esse órgão ou de estabelecer limites para que ele não interfira no que se chamaria de autonomia de ação dos Ministérios militares.

      Pelo DL 200, artigo 50, II, transcrito acima, ao EMFA caberia “estabelecer os planos … para participar de operações militares no exterior”. A redação dada a este inciso pelo DL 900 é idêntica até a palavra “exterior”. Depois vem uma vírgula e o que segue: “levando em consideração os estudos e as sugestões dos Ministros Militares competentes”. 

      Ao item III (DL 200) foi acrescentada uma palavra: “III − Coordenar as informações estratégicas no campo militar”. O item V do artigo 55 do DL 200 teve sua numeração e redação alteradas. Antes, rezava: “V − Coordenar os planos de pesquisa … recursos decorrentes”. Pela DL 900, esse inciso passou a ser numerado como IV e teve sua redação alterada: “IV − Coordenar, no que transcenda os objetivos específicos e as disponibilidades previstas no Orçamento dos Ministérios Militares, os planos de pesquisa, de desenvolvimento e de mobilização das Forças Armadas e os programas de aplicação de recursos decorrentes”.

      Mais significativo de como os Ministros militares viam o Estado-Maior das Forças Armadas é a revogação dos artigos 168 e 169 do DL 200 pelo DL 900. Baseado neles é que se pode dizer que Castelo Branco pensou em criar um Ministério que seria denominado “das Forças Armadas”, não “da Defesa”. Os dois artigos deixam claro o caminho pelo qual Castelo Branco pretendia conduzir o problema:

      “DL 200 − Artigo 168 − O Poder Executivo promoverá estudos visando à criação do Ministério das Forças Armadas para oportuno encaminhamento de projeto de lei ao Congresso Nacional”.

      “Artigo 169 − Como medida preparatória e preliminar à criação do Ministério, a garantia da mais perfeita integração das Forças Armadas e a coordenação de suas atividades poderão ser asseguradas na forma dos arts. 36, 37 e parágrafo único e 50 da presente lei”.

      O artigo 36 rezava na redação original: “Artigo 36 − Para auxiliá-lo, temporariamente, na coordenação de assuntos afins ou interdependentes, o Presidente da República poderá incumbir de missão coordenadora um dos Ministros de Estado ou, conforme o caso, o Ministro do Planejamento e Coordenação Geral”.

      “Artigo 37 − Além dos 4 (quatro) previstos nos artigos 147, 155, 157 e 169, o Presidente da República poderá prover até 3 (três) cargos de Ministro Extraordinário, para o desempenho de encargos temporários de natureza relevante.

      “Parágrafo único − Ao Ministro Extraordinário poderá ser confiada a missão coordenadora a que se refere o artigo anterior” (esse parágrafo foi revogado pelo DL 900).

      ***

      Os índices de aprovação das Forças Armadas pela população apontados pelo IBOPE medem a confiança nos serviços que prestam, mas não medem a confiança política da população nas Forças Armadas. Ora, essa confiança política, que fazia das Forças Armadas o defensor em última instância da Constituição e da Ordem, existiu durante todo o período em que se registraram as intervenções nas quais os civis tiveram grande participação. Nos momentos de crise nacional anteriores ao governo Sarney, se pressão houve sobre as Forças Armadas foi para que interviessem. Basta lembrar o apoio que teve a investigação da FAB, no final do governo Vargas, para descobrir os assassinos do major Rubem Vaz, e as Marchas civis realizadas antes do 31 de março de 1964.

      Não se encontrará nos jornais e nas Memórias de quantos escreveram sobre o movimento de março e o período dos Presidentes militares referência às pressões sobre as Forças Armadas desestruturadoras do “espírito militar”. Existiram, porém, e a elas já nos reportamos. É bom insistir em que as pressões internacionais vieram somar-se àquelas que grupos civis comprometidos ou não com a situação vencida em março de 1964 e dezembro de 1968 faziam a partir de posições de influência e até mesmo de poder na sociedade e no Governo. Para não dizer da crise de identidade das Forças Armadas e do desejo de parte da oficialidade das diferentes Forças de separá-las dos governos presididos por militares. Ou, como acentuado, para não dizer do fim do “espírito militar” decorrente das transformações internas nelas ocorridas a partir de 1965. Ou, então, da corrosão provocada pelo “espírito sindicalista”. Todos esses fatores, que abrem caminho à instituição do Ministério da Defesa tal como se formou, não foram provocados ou surgiram no Governo Fernando Henrique; são parte de um processo que culmina nesse Governo.

      É preciso fazer uma referência à insistência com que o Sr. Collor de Mello menciona e critica, durante sua campanha eleitoral, o Serviço Nacional de Informações, e às decisões que adotou logo que assumiu a Presidência, visando a apresentar os Ministros militares (que tinham residência em áreas nobres de Brasília) como “marajás”. Nenhum membro de seu Governo usou esta expressão; os atos, porém, falaram mais alto que qualquer palavra. Ao obrigar os Ministros a residir fora do Lago Sul, nos mesmos prédios que Coronéis, criou situação constrangedora para os Comandantes, especialmente por ocasião das promoções a General. Poderia dar-se o caso − como de fato se deu com os Ministros da Marinha e da Aeronáutica − de Oficiais superiores que residiam nos mesmos edifícios não serem promovidos a Oficial General, o que criou sérios embaraços para um dos Ministros ao encontrar-se com quem se sentia injustamente prejudicado ou sua esposa, nas áreas comuns às suas residências. O Ministro do Exército escapou desses constrangimentos porque a sua residência oficial de Ministro era uma propriedade do Exército.

      O debate na Assembléia Constituinte, em torno do artigo da nova Carta que dispunha sobre as Forças Armadas, contribuiu para isolá-las ainda mais da sociedade, não encontrando elas grupos civis ativos na sua defesa e dispostos a reclamar que continuassem a participar das decisões de Estado. O debate parecerá, hoje, bizantino: constaria ou não da Constituição que sua função era manter a Lei e a Ordem? Os ativistas do PSDB e do PT, muitos deles anistiados pelo Governo Figueiredo, insistiram o quanto possível para que a expressão (que vem da Constituição de 1891) não constasse da nova Carta que estava sendo votada. O empenho militar para inscrevê-la tornou-se público sem que, no entanto, as razões dos Ministros militares se tornassem conhecidas. Sendo assim, a idéia que passou para a sociedade foi a de que os militares desejavam controlar a Constituinte e impor sua vontade. Finalmente, houve acordo que contentou os Ministros militares, mas não os ativistas adversos. Depois de promulgada a Constituição de 1988, leis complementares ou ordinárias cuidaram de especificar o que as Forças Armadas poderiam fazer, além de defender a Pátria e os Poderes constituídos a pedido de um deles.

      A defesa da Lei e da Ordem passou a ser assunto de menor importância. Fernando Collor e, depois dele, Itamar Franco cuidaram de manter as Forças Armadas isoladas sem que houvesse, da parte delas, em momento algum, protesto. Muito menos houve da parte da Sociedade. Estava aplainado o caminho para que se criasse, no Governo Fernando Henrique, o Ministério da Defesa e se buscasse, amparado na Lei, submeter não os militares, mas a função dos militares ao Poder Civil, ou seja, aos Governos.

      ***

      O burocrata que há em todos nós, tendo maior ou menor apego às normas escritas que governam a administração de um Governo bem Policiado (como queria Rousseau), diria que o Ministério da Defesa é uma ficção administrativa. Nada melhor, para esclarecer dúvidas, do que seguir o caminho burocrático.

      No sítio https://www.defesa.gov.br/conheça_md/index.php?page=histórico encontrei, em 11 de julho de 2009, o “Histórico do MD”. A transcrição parecerá longa, mas servirá a dois objetivos — um: o leitor poderá confrontar o histórico feito acima, neste artigo, com o oficial; dois: permitirá que raciocinemos com base em dados oficiais. Vamos a esse histórico, a começar pelas justificativas da existência do Ministério:

      “São raros os países que atualmente não reúnem suas Forças Armadas sob um único órgão de defesa subordinado ao Chefe do Poder Executivo. No Brasil, as três Forças Armadas mantinham-se em ministérios independentes, até a criação do Ministério da Defesa em 10 de junho de 1999.

      “A discussão sobre a criação de um Ministério da Defesa − integrando a Marinha, o Exército e a Aeronáutica − vem desde meados do século passado. A Constituição de 1946 já citava a criação de um Ministério único, que resultou na instituição do Estado-Maior das Forças Armadas (EMFA), à época chamado de Estado-Maior Geral.

      “O Presidente da República Marechal Castelo Branco defendia a tese da criação de um Ministério da Defesa. Ele assinou o Decreto-Lei 200, de 25 de fevereiro de 1967, que previa a promoção de estudos para elaborar o projeto de lei de criação do Ministério das Forças Armadas. No entanto, a proposta foi abandonada.

      “Durante a Assembléia Nacional Constituinte de 1988, o assunto voltou à discussão, mas não prosperou. Finalmente, em 1995, o Presidente da República Fernando Henrique Cardoso declarou que, em seu plano de governo, estava prevista a discussão para a criação do Ministério da Defesa.

      “O Presidente Fernando Henrique Cardoso pretendia criar o Ministério ainda no primeiro mandato. A idéia era otimizar o sistema de defesa nacional, formalizar uma política de defesa sustentável e integrar as três Forças, racionalizando as suas atividades

      “Durante os anos de 1995/96, o EMFA, responsável pelos estudos sobre a criação do Ministério da Defesa, constatou que, entre 179 países, apenas 23 não possuíam Forças Armadas integradas por um único Ministério. Desses 23 países, apenas três, entre eles o Brasil, possuíam dimensões políticas para justificar a criação de um Ministério da Defesa, como extensão territorial e Forças Armadas treinadas e estruturadas.

      ”Os Ministérios da Defesa da Alemanha, da Argentina, do Chile, da Espanha, dos EUA, da França, da Grã-Bretanha, da Itália e de Portugal foram escolhidos para análise aprofundada porque possuíam algum tipo de identificação com o Brasil, como extensão territorial, população, efetivo das Forças Armadas entre outros fatores.

      “Para dar continuidade aos estudos de criação, o Presidente Fernando Henrique Cardoso criou o Grupo de Trabalho Interministerial que definiu as diretrizes para implantação do Ministério da Defesa. Reeleito, o presidente nomeou o senador Élcio Álvares ministro Extraordinário da Defesa, em 1º de janeiro de 1999. O senador foi o responsável pela implantação do órgão.

      “Mas somente em 10 de junho de 1999, o Ministério da Defesa foi oficialmente criado, o Estado-Maior das Forças Armadas extinto e os Ministérios da Marinha, do Exército e da Aeronáutica transformados em Comandos”.

      Vamos, agora, aos fatos administrativos.

      O cargo de Ministro de Estado Extraordinário da Defesa não foi criado pelo Decreto nº 2.923 de 1º de janeiro de 1999. Convém voltar a citar o artigo 37 do DL 200, não revogado:

      “Artigo 37 − Além dos 4 (quatro) previstos nos artigos 147, 155, 157 e 169, o Presidente da República poderá prover até 3 (três) cargos de Ministro Extraordinário, para o desempenho de encargos temporários de natureza relevante”.

      Ora, o decreto de 1999 diz que ao Ministro Extraordinário “compete… preparar a instalação do Ministério da Defesa” − ainda não criado! Seria o caso de perguntar em que consiste, à luz do Direito Administrativo brasileiro, a “instalação” de um Ministério não criado. Pergunta tão mais pertinente quando se lê que o artigo 3º do decreto estabelece que “o controle interno do Gabinete do Ministro Extraordinário da Defesa será exercido pelo órgão de controle interno do Estado-Maior das Forças Armadas”.

      A termos como correta e verdadeira a informação disponível no sítio na Internet atrás referido, o Ministério da Defesa existiu antes de sua criação. Pela informação oficial, a criação do Ministério é de 10 (dia dez, guarde-se isso) de junho de 1999. Curiosamente, a Lei Complementar nº 97, de 9 de junho (dia nove, note-se aqui) que “Dispõe sobre as normas gerais para a organização, o preparo e o emprego das Forças Armadas”, estabelece em seu artigo 2º:

      “O Presidente da República, na condição de Comandante Supremo das Forças Armadas, é assessorado:

      “I − no que concerne ao emprego de meios militares, pelo Conselho Militar de Defesa;

      “II − no que concerne aos demais assuntos pertinentes à área militar, pelo Ministro da Defesa”.

      Temos, assim, que, pelo menos no que nos é possível encontrar entre os documentos oficiais publicados, o cargo de Ministro Extraordinário da Defesa não foi extinto por ato administrativo. Por outro lado, a Lei Complementar nº 97, note-se, não cria o Ministério da Defesa; refere-se apenas às funções do Ministro e dá outras providências no âmbito do que se denominou Ministério da Defesa para todos os fins políticos. O Ministério, assim, foi criado um dia depois da promulgação desta lei que estabelece as funções do seu titular e a composição de alguns (supõe-se) dos órgãos que o integram, como veremos abaixo.

      O significado político mais amplo da Lei Complementar nº 97 é que ela elimina a participação direta dos Ministros militares (a partir dessa Lei chamados de Comandantes, título dado ao responsável por qualquer unidade militar) nas decisões de Estado, quaisquer que sejam elas. Eles serão, dali em diante, “assessores”.  Se, antes dessa Lei, os Ministros militares tinham acesso direto ao Presidente da República, não mais terão, e se este era assessorado pelo Alto Comando das Forças Armadas e pelo Estado-Maior das Forças Armadas, a partir de junho de 1999, não mais será.

      Outro aspecto importante é que, no sistema anterior, os Ministros levavam diretamente ao Presidente a lista dos Oficiais que deveriam ser promovidos no quadro de Oficiais Generais (os Coronéis que seriam promovidos a General e os Generais de Brigada e Divisão promovidos aos postos mais altos). Essa possibilidade — ou seria uma prerrogativa? — foi negada às Forças pela Lei Complementar. Ela fez do Ministro da Defesa o canal exclusivo para o contato com o Presidente em assuntos militares em geral.

      Nada melhor do que transcrever artigos desta Lei Complementar:

      “Artigo 2º, § 1º − O Conselho Militar de Defesa [que assessora o Presidente como visto acima] é composto pelos Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica e pelo chefe do Estado-Maior da Defesa.

      “§ 2º − Na situação prevista no inciso I deste artigo (cf. acima) o Ministro de Estado da Defesa integrará o Conselho Militar de Defesa na condição de seu Presidente.

      “Artigo 7º − Compete aos Comandantes das Forças apresentar ao Ministro de Estado da Defesa a Lista de Escolha, elaborada na forma da lei, para a promoção aos postos de oficiais-generais e indicar os oficiais-generais para a nomeação aos cargos que lhes são privativos”.

      O crivo aí já tem lugar. Há outros aspectos a considerar:

      “Artigo 9º − O Ministro de Estado da Defesa exerce a direção superior das Forças Armadas, assessorado pelo Conselho Militar de Defesa, órgão permanente de assessoramento, pelo Estado-Maior de Defesa, pelas Secretarias dos demais órgãos, conforme definido em lei.

      “Artigo 10º − O Estado-Maior da Defesa […] terá como Chefe um oficial-general do último posto, da ativa, em sistema de rodízio entre as três Forças, nomeado pelo Presidente da República, ouvido o Ministro de Estado da Defesa.

      “Artigo 11 − Compete ao Estado-Maior da Defesa elaborar o planejamento do emprego combinado das Forças Armadas e assessorar o Ministro de Estado da Defesa na condução dos exercícios combinados e quanto à atuação das Forças brasileiras em operações de paz. Além de outras atribuições que lhe forem estabelecidas pelo Ministro de Estado da Defesa”.

      A Lei Complementar cuida também do orçamento das Forças Armadas. O texto permite concluir que se pretende, via orçamento, controlar as Forças, na medida em que os projetos de orçamento elaborados por cada uma delas será consolidado tendo em vista “as prioridades estabelecidas na política de defesa nacional”. É importante notar a referência à Lei de Diretrizes Orçamentárias:

      “Artigo 12 − O orçamento do Ministério da Defesa contemplará as prioridades da política de defesa nacional, explicitadas na Lei de Diretrizes Orçamentárias.

      “§ 1º − O orçamento do Ministério da Defesa identificará as dotações próprias da Marinha, do Exército e da Aeronáutica.

      “§ 2º − A consolidação das propostas orçamentárias das Forças será feita pelo Ministério da Defesa, obedecendo-se às prioridades estabelecidas na política de defesa nacional, explicitadas na Lei de Diretrizes Orçamentárias.

      “§ 3º − A Marinha, o Exército e a Aeronáutica farão a gestão, de forma individualizada, dos recursos orçamentários que lhes forem destinados no orçamento do Ministério da Defesa”.

      É possível verificar pela leitura da Lei Complementar nº 97, que, a pretexto de subordinar as Forças Armadas ao Poder Civil, houve o completo isolamento dos Comandantes Militares da chefia do Poder Executivo – não só Governo, mas também Estado. Os poderes administrativos e políticos dos chefes militares foram concentrados nas mãos do novo Ministro, indicado por cada Governo e representativo deste. Os poderes Políticos, em sentido estrito, pois, ao ter como competência a “direção superior das Forças Armadas” (que se suporia caber ao Comandante Supremo), a Doutrina de Emprego, a escolha dos Oficiais a serem promovidos a General (ou a ascender no quadro dos Oficiais-Generais) e a designação dos Oficiais-Generais “para os cargos que lhes são privativos” dependem dele. 

      Sem levar em conta os desacertos burocráticos que envolvem sua criação, o grave na existência de um Ministério da Defesa nos moldes em que foi concebido é que afasta a possibilidade de as Forças Armadas opinarem sobre as grandes políticas nacionais − o que faziam fosse pelo assessoramento direto do Presidente da República, fosse sua participação no Conselho de Segurança Nacional, extinto em 1988. Pela DL 200, cuidava-se da “participação” das Forças Armadas na discussão das grandes políticas de Estado já que são, da mesma maneira que o Estado a que servem, uma organização nacional.

      A referência ao fato de que Castelo Branco “defendia a tese da criação de um Ministério da Defesa” é ardilosa. Nada indica que a proposta de criação de um Ministério das Forças Armadas extinguiria o Estado-Maior das Forças Armadas (ou órgão que o substituísse) na condição de órgão de assessoramento imediato do Presidente da República. Ainda que o fizesse, respeitando o DL 200, o Alto Comando das Forças Armadas continuaria a assessorar o Chefe de Estado, da mesma maneira que o Conselho de Segurança Nacional continuaria com sua função de “assessorar o Presidente da República na formulação e na conduta da política de segurança nacional” (DL 200, art. 40). Resumindo, tudo indica que, na idéia de Castelo, as Forças Armadas continuariam tendo a autonomia que um Ministério de Estado tem e participação direta na condução das políticas gerais do Estado.

      O Ministério da Defesa “foi criado” em 1999. Foram, portanto, desde Castelo Branco, pelo menos 32 anos em que as transformações mais profundas que ocorreram nas Forças Armadas — paralelas às que ocorreram na sociedade — encontraram campo e condições para corroer já não o ”ethos burocrático”, mas o “espírito militar”, fundado na vocação para a carreira das Armas. Durkheim já aconselhava que se observassem a Densidade e o Volume dos grupos sociais — qualquer alteração, neles, produziria mudanças na mentalidade coletiva e fatos sociais novos. Essa alteração se deu lenta e progressivamente.  As conseqüências vieram à luz no decorrer dos anos.

      No que se refere às intervenções propriamente ditas, a criação do Ministério da Defesa não as impede, teoricamente. A sermos precisos, a Junta Militar já havia criado as condições legais e organizatórias para que não mais se dessem, conferindo aos Ministros militares o poder de colocar na Reserva os Oficiais que, a seu ver, pudessem causar embaraços de qualquer tipo ao Governo. A “expulsória” (como é conhecida esta política) contribuiu para, se não determinou a morte do Partido Fardado.

       Examinando sem cólera nem parcialidade as intervenções militares relacionadas de início, ousaria dizer que fosse o Partido Fardado, fosse o Estabelecimento Militar, estas repetidas ações tiveram um sentido, ainda que os que as conduziram desse sentido não tivessem plena consciência. Exceto na intervenção de 1964, quando os conduzidos o perderam completamente de vista. As modalidades de ação das oposições armadas a partir de 1967, que desconheciam o fato de que a Constituição de 1967 permitia a livre manifestação das oposições não-armadas, conduziu ao Ato Institucional nº 5 e a tudo o que dele decorreu. O rigor da repressão levou a que, em muitos grupos da sociedade, não se visse nos governos dos Presidentes militares seu grande esforço para reconstruir o Estado que começara a ter desnaturado seu “espírito” desde a Constituição de 1946. A reconstrução do Estado exige que as Forças Armadas sejam seu garante de fato contra as investidas dos particularismos e as pressões internacionais. A Constituição de 1988 e depois a legislação sobre os partidos políticos criaram as condições que permitem que, hoje, o Governo predomine sobre o Estado e, mais que nunca, os interesses privados sobre os públicos, assim como os internacionais sobre os nacionais.

      O “caso” do Tratado de Não-proliferação Nuclear é paradigmático. O Governo Costa e Silva recusou-se a assiná-lo e denunciou, pela voz de Araújo Castro, que o representava na ONU, o “congelamento do poder mundial”. Com o Governo Fernando Collor de Mello começou a liquidação, via controle orçamentário, do Programa Nuclear Paralelo que o governo Ernesto Geisel havia iniciado. A publicidade com que o então Presidente da República cercou a descoberta e fechamento dos poços para experimentação de artefatos nucleares (cuja fabricação era permitida pelo artigo 28 do Tratado de Tlatelolco sobre a desnuclearização da América Latina em sua versão original) indicou que o governo brasileiro estava disposto a aceitar a renúncia à pesquisa e independência no campo da pesquisa nuclear. No Governo Fernando Henrique Cardoso, finalmente, o TNP foi assinado.

      Nada melhor, para iluminar as circunstâncias em que se desenrolou este processo de adesão ao que se chamou à época de mainstream da política internacional liderada pelos Estados Unidos, do que transcrever parte de artigo que o Sr. Robert B. Zoellick, hoje no Banco Mundial e à época principal Conselheiro do então candidato e depois Presidente George W. Bush, publicou a 24 de dezembro de 2000 no jornal O Estado de S. Paulo: “Em toda a América Latina, a democracia avançava em 1992 à medida que os velhos regimes autoritários cediam a novos líderes eleitos, que queriam introduzir seus países numa era democrática em formação. Esses novos líderes ajudaram a solucionar sérios problemas de segurança − alguns, antigos, como conflitos entre vizinhos a respeito de fronteiras; outros, novos, implicando a renúncia a armas de destruição em massa e à proliferação de mísseis. Por exemplo, os Estados Unidos serviram-se da sensibilidade dos latinos aos interesses americanos para persuadir Brasil e Argentina a liquidar programas nucleares e assinar salvaguardas de longo alcance; a Argentina suspendeu o programa de mísseis Condor II que era financiado por nada menos que o Iraque”.

      A assinatura do TNP deu-se a 13 de julho de 1998. Juntamente com a adesão do Tratado, o Presidente Fernando Henrique Cardoso assinou os instrumentos de ratificação do Tratado de Proibição Completa de Testes Nucleares. Também no primeiro Governo Fernando Henrique Cardoso foi assinada a adesão do Brasil ao Missile Technology Control Regime, que regula a transferência de tecnologia balística.

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      É tempo de concluir.

      Em uma das biografias de Charles de Gaulle há uma referência a um momento importante em sua luta para defender a honra da França Eterna. Ele vinha se ser aceito pelos Estados Unidos e Grã-Bretanha como único representante da França Livre depois de ásperos confrontos com Churchill e Roosevelt. O General reuniu-se com um assessor privilegiado para discutir como agir após a Libertação. Era 1943 e ele estava em Argel. Ao seu auxiliar perguntou como se deveria proceder para reconstruir o Estado. A resposta foi “Começar pela Educação”. De Gaulle retrucou: “Pelo Exército!”.

      Também já é tempo de concluir, com este texto, um longo ciclo de estudos que dediquei aos temas e às questões castrenses — a que não mais voltarei, a menos, é claro, que fato político novo ocorra, trazendo-nos à tona um novo totem à imagem de Caxias e Osório.

* Professor associado do Departamento de Política da FFLCH da USP. Professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

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Livros de referência:

Bosanquet, Bernard − The philosophical theory of the State. Macmillan & Co., Londres, 1951.

Varnhagen, Francisco Adolfo de − História da Independência do Brasil. Imprensa Nacional, Rio de Janeiro, 1940.