UMA VISÃO HETERODOXA DO PROCESSO – 20

 

 

 

 

     Antes de avançar neste capítulo, devo esclarecer que escrevo esta série – “uma visão heterodoxa do processo” – recorrendo à memória do que chegou ao meu conhecimento, por documentos ou depoimentos. Eu me encontrava sentado à frente de uma mesa em O Estado de S.Paulo. Meu último artigo levou leitor atento e amigo a enviar-me o que conhece dos dias que precederam a demissão do General Frota do Ministério do Exército. O documento que recebi é longo e abrangente, pelo que me permito me ater ao que diretamente se refere a esse episódio, resumindo-o e desde já desculpando-me por qualquer involuntária omissão.

 

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     Havia, não há negar, alguma movimentação na área militar. Por outro lado, o General Hugo Abreu, Chefe da Casa Militar do Presidente Geisel, tentou inúmeras vezes desfazer as situações criadas pelo noticiário de Imprensa, em geral com base em informações vazadas dos gabinetes do Governo ou de círculos políticos ligados ao Planalto, colocando em causa a lealdade do General Frota ao Presidente da República e insinuando, quando não afirmando, que o Ministro do Exército pretendia ser candidato à Presidência da República. Para ele, o General Abreu, esse noticiário nem servia ao projeto da “abertura” do Governo, nem era conveniente às Forças Armadas e menos ainda o era ao País. Tentou fazer que o Ministro se declarasse não-candidato, a fim de desfazer as intrigas palacianas que o colocavam contra o Presidente. O General Frota, por sua vez, sempre disse que não teria sentido declarar-se não-candidato pois jamais pensara em sê-lo. Era fiel ao Governo, que integrava. Assim se manifestava.

 

     Essa situação, fruto de intrigas contra o Ministro do Exército e apresentada como um conflito entre a ele e a Presidência da República, chegou a seu termo com a publicação, pela revista Veja, de uma reportagem em que se dizia que o Ministro tinha apoios para a sua candidatura e não só os tinha como “desfilara” com “ares de candidato” num programa de TV sobre a atuação do Exército nas fronteiras brasileiras. Na manhã do dia anterior à demissão do General Frota, um assessor da Casa Civil, membro do Gabinete Pessoal da Presidência, exibiu a revista ao Presidente. Os acontecimentos precipitaram-se.

 

     No dia 12 de outubro de 1977, feriado prolongado, com a cúpula militar fora de Brasília, o Ministro foi a Palácio, convocado pelo Presidente. As informações disponíveis dão conta de que o General Frota supunha que tinha sido convocado para discutir um relatório de informações do III Exército sobre a subversão no qual se citavam nomes ligados ao Governo e à área política, relatório esse que provocara mal-estar no Governo. Para sua surpresa, foi instado pelo Presidente Geisel a apresentar sua demissão. Negou-se a fazê-lo. Foi substituído por não mais nem menos que o então Comandante do III Exército que já se encontrava no Rio de Janeiro aguardando instruções para assumir o cargo.

 

     O Ministro recusou-se a tomar qualquer medida contra a decisão presidencial. O Chefe do Exército demitido recolheu-se ao ostracismo no bairro do Grajaú, no Rio de Janeiro. Se havia algum dispositivo militar visando à sua projeção, silenciou.

 

     Pela primeira vez na história da República, um Ministro do Exército fora demitido fora do quadro de uma revolução, muito menos se recém-irrompida. A figura do Ministro foi apresentada à Imprensa, não oficialmente, como a de um opositor da redemocratização, sobre a qual, é preciso ser dito a bem da verdade, o General Frota nunca se pronunciou em contrário!

 

     A demissão do General Frota definiu o processo sucessório e selou os contornos da “abertura”. A área militar, pelo menos o Exército, ficou isolada. Os homens, de farda ou não, podem ter-se beneficiado da “vitória” de um dos lados, mas o País, seguramente não. Menos ainda a Instituição Militar.

 

     ***

     Só poderemos compreender o processo iniciado em março de 1964 se atentarmos, por um lado, para o conflito entre o Partido Fardado e Estabelecimento Militar e, por outro, para as relações entre a corporação militar e os grupos social e politicamente dominantes na sociedade. O que só poderá ser feito se considerarmos as diferentes formas de associação dos diferentes grupos sociais (inclusive a corporação militar) e as visões que tinham − e em muitos casos ainda têm − do mundo. Entenda-se por “visão do mundo” a idéia que as pessoas e os grupos têm de como a Sociedade deve organizar-se, de como se situam eles nas suas relações com ela, Sociedade, e com o Estado, e de como o Estado favorece ou impede que essa idéia se torne um vetor real nessas relações. Não nos esquecendo de que a inserção do Estado e da Sociedade no mundo é parte dessa idéia.

 

     Não apenas a isso é preciso atentar, porém; para que a análise possa compreender o que de fato se passou na realidade política e social − o que nem sempre é possível −, é necessário introduzir nela a figura do Inimigo, vale dizer, o Outro, que buscará impedir que a idéia do indivíduo ou do grupo se transforme em realidade.

 

     As Forças Armadas sempre se constituíram como corporação − diferentemente dos demais grupos presentes na Sociedade brasileira, que se estruturou, sempre, em torno da relação entre dominantes e dominados, uns e outros caracterizados por sua condição econômica, status social e prestígio e poder político. Embora no Império os altos postos da hierarquia militar fossem ocupados, quase sempre, por pessoas que se distinguiam na sociedade por seu status, definido este em termos de riqueza, prestígio e poder, o que distinguia o grupo militar dos demais grupo sociais era o fato de a Força Amada estruturar-se tendo a honra como princípio constitutivo enquanto a hierarquia e disciplina regulariam as relações entre seus membros. Diria mais: embora os autores da Constituição de 1824 não cuidassem de inscrever nela qual a função dos grupos sociais, tiveram o cuidado de especificar como a Força Amada se organizaria e que função teria:

 

     “Art. 147 – A Força Militar é essencialmente obediente; jamais se poderá reunir, sem que lhe seja ordenado pela Autoridade legitima.

 

     “Art. 148. Ao Poder Executivo compete privativamente empregar a Força Armada de Mar e Terra, como bem lhe parecer conveniente à Segurança, e defesa do Império.

 

     “Art. 149. Os Oficiais do Exercito e Armada não podem ser privados das suas Patentes, senão por Sentença proferida em Juízo competente”.

 

     Essencialmente obedientes, note-se, Marinha e Exército tinham a função precípua de garantir a segurança e defesa do Império – do Estado, em outras palavras –, sem que a Carta de 1824 especificasse se essa função seria exercida quando a segurança do Império exigisse sua defesa nas fronteiras ou no interior do País.

 

     A guerra do Paraguai, se por um lado demonstrou a fragilidade do Império, impedido pelas forças paraguaias de chegar ao extremo Oeste pela obstrução do rio Paraná, por outro contribuiu para que no Exército se firmasse, embora lentamente, o sentimento, mais que a idéia, de que o Paço tinha a Marinha em maior consideração. Esse sentimento, associado à pregação positivista do “Soldado-cidadão”, esteve na raiz da Questão Militar que se estendeu de 1884 a 1887. Mais significativo, no entanto, da separação que se processava entre o Exército e a Monarquia, foi a recusa do Exército em perseguir escravos fugitivos − sem dúvida, levados, os que assumiram essa posição, por sentimento morais, mas também pela lembrança de que muitos escravos lutaram na guerra do Paraguai (com o que obtiveram sua liberdade), nela se distinguindo da mesma maneira que os praças brancos e livres. A Questão Militar marcou pela primeira vez uma quebra da hierarquia e, mais importante, a distinção entre o pensamento de um grupo de Oficiais Superiores e o dos Oficiais Generais, separação essa guiada pela idéia do “Soldado-cidadão”. A recusa em prender escravos apoiava-se na convicção de que a função do Exército não era a de capitão-do-mato (função policial, simplesmente), além de na idéia − mesmo que ainda não formulada expressamente − da igualdade dos homens.

 

     Feita por militares (e inspirada na pregação positivista de Benjamin Constant), a República mudou a função precípua das Forças Armadas já na Constituição de 1891: “Art. 14 – As forças de terra e mar são instituições nacionais permanentes, destinadas à defesa da Pátria no exterior e à manutenção das leis no interior. A força armada é essencialmente obediente, dentro dos limites da lei, aos seus superiores hierárquicos e obrigada a sustentar as instituições constitucionais”.

 

     Diríamos que é com a República que a distinção entre a corporação militar e a Sociedade se faz permanente. Note-se que as Forças Armadas não mais se destinam à defesa do Império (do Estado), podendo ser empregadas a juízo do Executivo onde se fizer necessário para a segurança e defesa do Estado. Elas se destinam a defender as “instituições constitucionais” e à “manutenção das leis no interior”, além de ter a função de “defesa da Pátria”. Continuam “essencialmente obedientes”, mas agora “dentro dos limites da lei” − com o que, sem dúvida, não podem ser mais empregadas ao arbítrio da vontade do Executivo, mas são obrigadas a defender as instituições constitucionais. Resumidas as razões, tendo deposto o Imperador, os próceres republicanos desejam afastar qualquer possibilidade de as Forças Armadas se erguerem contra o Chefe de Estado mesmo quando julgarem ser isso necessário para defender esse mesmo Estado. E deverão assumir uma função que não é precipuamente delas: “a manutenção das leis no interior”, função eminentemente policial.

 

     O movimento de 1922, como dissemos, foi essencialmente corporativo como atestaram Juarez Távora e Góes Monteiro, tendo lutado um contra o outro. Já em 1924, o movimento é de fato uma revolução contra as “instituições constitucionais”, da mesma maneira que a Coluna Prestes. Esses dois movimentos deveriam levar, na boa Teoria do Direito, os Governos e a Sociedade a cuidarem de não atribuir às Forças Amadas papel proeminente nas constituições que foram feitas depois de 1930. O que se viu, porém, foi o contrário: a quase “separação” entre as Forças Armadas e a Sociedade, como se consumou na Constituição de 1934.

 

     Essa “separação” está evidente já no artigo 84: “Art. 84 – Os militares e as pessoas que lhes são assemelhadas terão foro especial nos delitos militares. Este foro poderá ser estendido aos civis, nos casos expressos em lei, para a repressão de crimes contra a segurança externa do país, ou contra as instituições militares”. Observe-se que na Constituição de 1824 não há referência a “foro especial para delitos militares”. A única referência é à perda de patente por decisão de foro competente.

 

     Há mais. Enquanto nas Cartas de 1824 e 1891 não há qualquer menção à “segurança nacional”, em 1934 − embora não haja indícios de que existe a probabilidade de que a segurança do Estado possa vir a ser ameaçada (a revolução de 1932 já é coisa do passado) −, a idéia de ”segurança nacional” se inscreve na Lei Maior, criando-se inclusive, por ela mesma, um Conselho de Segurança Nacional, como se lê no artigo 159:

 

     “Art 159 – Todas as questões relativas à segurança nacional serão estudadas e coordenadas pelo Conselho Superior de Segurança Nacional e pelos órgãos especiais criados para atender às necessidades da mobilização.

 

     § 1º – O Conselho Superior de Segurança Nacional será presidido pelo Presidente da República e dele farão parte os Ministros de Estado, o Chefe do Estado-Maior do Exército e o Chefe do Estado-Maior da Armada.

 

     § 2º – A organização, o funcionamento e a competência do Conselho Superior serão regulados em lei”.

 

     O posicionamento das Forças Armadas no que se diria ser o organograma do Estado vem apenas no artigo 162, repetindo, com outra redação, o que se inscrevera em 1891: “Art. 162 – As forças armadas são instituições nacionais permanentes, e, dentro da lei, essencialmente obedientes aos seus superiores hierárquicos. Destinam-se a defender a Pátria e garantir os Poderes constitucionais, e a ordem e a lei”.

 

     Sem dúvida, em 1824 fazia-se menção, em secção separada, à “Força Militar”. Tão apenas. Apesar de, em seu artigo 179, cuidar das situações em que a segurança do Estado pudesse correr risco, não criava órgão estatal algum que dela cuidasse. A esse respeito, a Carta era clara: Art. 179, XXXV: “Nos casos de rebelião, ou invasão de inimigos, pedindo a segurança do Estado, que se dispensem por tempo determinado algumas das formalidades, que garantem a liberdade individual…”. A segurança do Estado, note-se, é o que poderia levar à suspensão de algumas das liberdades individuais consagradas na mesma Carta. Podemos dizer que se o Estado se confundia com o Império, e esse era o representante da Nação, a segurança dela só estaria em risco quando a do Império, do Estado, estivesse ameaçada.

 

     Se as palavras têm algum sentido, é possível dizer que, em 1934, a corporação militar distinguiu-se dos demais grupos sociais: tem um tribunal especial para julgar os “crimes militares” (o que não havia em 1824 e em 1891), e foi capaz de inscrever na Constituição o Conselho Superior de Segurança Nacional, evidência de que o que estaria em jogo, a partir da promulgação da Carta, não era mais apenas garantir, manter e defender o Estado, mas a “segurança nacional”.

 

     Ademais, se tivemos em conta o que rezava o artigo 170 da Carta de 1824, será fácil verificar que a “segurança nacional” não estava entre os problemas que merecessem inscrição na Constituição. Isso, seguramente porque os autores da Carta outorgada tinham a clara idéia do que devesse constar da Constituição: “Art. 178 – É só constitucional o que diz respeito aos limites, e atribuições respectivas dos Poderes Políticos, e aos Direitos Políticos, e individuais dos Cidadãos. Tudo o que não é Constitucional pode ser alterado sem as formalidades referidas, pelas Legislaturas ordinárias”.

 

     É para a distinção que apontamos que se deverá prestar atenção quando se desejar compreender a intervenção militar na vida política depois de 1924. Atente-se para o fato de que todas as Constituições republicanas dão às Forças Armadas a função de defender a lei e a ordem, exceto a de 1937.

 

     1891 – “Art. 14 – As forças de terra e mar são instituições nacionais permanentes, destinadas à defesa da Pátria no exterior e à manutenção das leis no interior”.

 

     1934 – “Art. 162 –“As Forças Armadas … destinam-se a defender a Pátria e garantir os Poderes constitucionais, e a ordem e a lei”.

 

     1937 – “Art. 161 – As forças armadas são instituições nacionais permanentes, organizadas sobre a base da disciplina hierárquica e da fiel obediência à autoridade do Presidente da República” (Observe-se que não há referência a “lei e ordem”).

 

     1946 – “Art. 177 – Destinam-se as forças armadas a defender a Pátria e a garantir os poderes constitucionais, a lei e a ordem.”

 

     1967 – “Art. 92, § 1º – Destinam-se as forças armadas a defender a Pátria e a garantir os Poderes constituídos, a lei e a ordem”

 

     1988 – ”Art. 142 – As Forças Armadas… destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem” (Sendo de notar que o Conselho de Segurança Nacional foi extinto pela Constituição de 1988).

 

     A República deu às Forças Armadas, além da função de garantir as fronteiras nacionais, aquela de manter a lei e a ordem (ainda que a pedido de um dos Poderes da República, como se lê na de 1988) − isto é, exercer a função de Polícia. No Império, sua função era defender o Estado − função essa que pouco tem a ver com a defesa dos Poderes Constitucionais. Pouco a ver, sim: quem ameaçaria qualquer deles? Uma insurreição armada? Então se trata da defesa do Estado e a figura do Estado de Sítio se presta a isso. A incursão de um Poder na competência de outro, ou sua eliminação, como se deu em 1937, e em alguns momentos do período dos Governos militares? Compreende-se que em 1934 se quisesse impedir que, como em 1924 e 1930, os militares se voltassem contra os Poderes constitucionais. Em 1946 cuidou-se de evitar um novo 10 de novembro de 1937. Em 1967, é evidente o desejo de impedir que o Congresso fosse fechado como foi possível nos anos anteriores. Em 1988, repetiu-se 1967, como se o fantasma da intervenção militar atormentasse os constituintes de 1986/88.

 

     Todas as Constituições republicanas, exceto a de 1937, dão às Forças Armadas uma tarefa policial, ainda que in extremis. Com o que podemos dizer que a Carta do Estado Novo traduziu a consciência das Forças Armadas (que haviam convalidado o golpe de Estado) de que sua função é a defesa do Estado e não ser Polícia. Poderíamos, então, afirmar que na República − sempre, exceto no Estado Novo −, a defesa do Estado, ou da Segurança Nacional, foi entregue ao jogo político dos partidos representados no Congresso. A “novembrada” de 1955 foi disso o melhor exemplo − violando a Constituição.

 

     O que o pretendemos assinalar com essa referência aos textos constitucionais é que os constituintes não consideraram, nem como hipótese de trabalho, que o ethos da corporação militar é diferente daquele dos grupos sociais de que são originários. Sendo diferente, como de fato é − para não dizer antagônico por princípio −, não é de estranhar que a corporação interprete diferentemente o que seja “garantir a lei e a ordem”. Se não toda ela, pelo menos aqueles de seus membros que, desta ou daquela forma, não estão comprometidos com o jogo político dos partidos. Enquanto para o mundo civil “garantir a lei e a ordem” se traduzirá sempre em empregar as Forças Armadas para restaurar a ordem pública e garantir a vigência da lei (função policial), o ethos militar faz que a corporação tenha concepção diversa do que seja Ordem. Poderíamos dizer que a corporação militar vê como sua função, sim, defender a Ordem – que, para essa corporação, confunde-se com a permanência do Estado, vale dizer de suas instituições, das quais que é defensor por natureza.

 

     Decorre daí, diríamos necessariamente, que a partir do momento em que, na corporação, tem-se a clara visão de que a política do Governo tende a alterar o Estado, a propensão dela ou a de muitos de seus membros será colocar-se contra o Governo para que as coisas novamente se disponham “segundo relações aparentes e constantes, simples ou complexas” (como Ordem se define no Dicionário Petit Littré e chamamos atenção para “constantes”). Essa, aliás, é a idéia que muitos dos que formaram com o General Mourão tinham das coisas: “se nossa função é defender a lei e ordem, veja-se que o Governo Jango está fora da lei…”. Ou que não havia Governo, como proclamou o Senador Auro de Moura Andrade, Presidente do Senado, recusando-se, no dia 1º de abril de 1964, a ler a carta que Darcy Ribeiro lhe levara, comunicando que Goulart estava a caminho do Rio Grande do Sul.

 

     A corporação sempre se dividiu no momento de compreender qual seria sua função. Os que integravam o que chamei de Estabelecimento Militar, conformavam-se com a visão civil da Constituição, especialmente depois de alcançar os altos postos da hierarquia − mesmo porque aqueles que interpretavam a Constituição como lhes permitindo policiar o Governo e formavam o Partido Fardado geralmente eram Coronéis ou Capitães.

 

     Os críticos do movimento de Março de 1964 e dos Governos que se seguiram até a 1985 − embora, repito, Figueiredo não tivesse mais poderes extraordinários, limitado que estava pela Constituição de 1967 − não querem ver, por estranha “boa fé” ou por ignorância, para dizer o menos, que foram os Generais-Presidentes que “sitiaram” os orçamentos militares desde 1965, permitindo aumentos apenas vegetativos, e, mais importante ainda para que se compreenda os dias de hoje, que foi a Junta Militar, vale dizer, foram os “Ministros Militares no exercício da Presidência da República” que editaram o Ato Institucional nº 17 contra o Partido Fardado, e baixaram o decreto-lei que deu origem à “lei da expulsória”, permitindo aos Ministros militares passar para a Reserva (a seu bel prazer, respeitadas determinadas proporções) os que estivessem em desacordo com a administração militar ou o Governo. Esquecem-se também aqueles críticos de que foi o Presidente Castelo Branco, no que foi acompanhado pelos outros Generais-Presidentes, quem, ao alterar a lei de promoções, impediu legal e burocraticamente o aparecimento de um totem no Exército.

 

     Em outras palavras, os críticos de 1964/1985 deveriam fazer autocrítica e aplaudir calorosamente os Generais-Presidentes que tornaram impossível a formação de um clima de opinião e uma consciência que permitisse aos membros da corporação militar voltar a intervir na vida política do País. Ao pretender fazer que o Exército Brasileiro não se intrometesse mais na política e não fosse mais “confundido com exércitos quaisquer da América Latina”, permitiram o triunfo do Sistema que o Partido Fardado, sem ter clara idéia das ramificações dele na Sociedade e no Governo, pretendeu derrubar.

 

     Será preciso examinar as ligações dos grupos sociais com as Forças Armadas.

 – segue –

 

 

 

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